Immanuel Kant (1724-1804) buscou criar um modelo ético que fosse independente de qualquer tipo de justificação moral religiosa e se baseasse apenas na capacidade de julgar inerente ao ser humano.
Para isso, Kant elaborou um imperativo, uma ordem, de forma que o indivíduo pudesse utilizar como uma bússola moral: o Imperativo Categórico.
Esse imperativo é uma lei moral interior ao indivíduo, baseada apenas na razão humana e não possui nenhuma ligação com causas sobrenaturais, supersticiosas ou relacionadas a uma autoridade do Estado ou religiosa.
O filósofo buscou fazer com a filosofia o que Nicolau Copérnico fez com as ciências. A revolução copernicana transformou toda a forma de compreensão do mundo.
A ética kantiana está desenvolvida, sobretudo, no livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785). Nele, o autor busca estabelecer um embasamento racional para o dever.
Capa original de Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) e o filósofo Immanuel KantKant foi largamente influenciado pelos ideais do Iluminismo, fundamentalmente laico. O Iluminismo rompeu com toda o conhecimento baseado na autoridade. O pensamento deveria ser uma faculdade autônoma e livre das amarras impostas pela religião, sobretudo, pelo pensamento da Igreja Medieval.
Kant reforça essa ideia ao afirmar que somente o pensamento autônomo poderia conduzir os indivíduos ao esclarecimento e a maioridade. A maioridade em Kant não está relacionada com a idade, ou maioridade civil, ela é a independência dos indivíduos fundamentada na sua capacidade racional de decidir por si mesmo o que é o dever.
A moral kantiana se opõe à moral cristã, na qual o dever é entendido como uma heteronomia, uma norma vinda de fora para dentro, a partir das Escrituras ou dos ensinamentos religiosos.
A ética de Kant fundamenta-se única e exclusivamente na Razão, as regras são estabelecidas de dentro para fora a partir da razão humana e sua capacidade de criar regras para sua própria conduta.
Isso garante a laicidade, independência da religião, e a autonomia, independência de normas e leis, da moral kantiana. Kant buscou substituir a autoridade imposta pela Igreja pela autoridade da Razão.
VEJA TAMBÉM: IluminismoO filósofo buscou estabelecer uma fórmula moral para a resolução das questões relativas à ação. O Imperativo Categórico, ao longo das obras de Kant, aparece formulado de três maneiras diferentes.
Cada uma das três formulações se complementam e formam o eixo central da moral kantiana. Nela, as ações devem ser orientadas pela razão, sempre saindo do particular, da ação individual, para o universal, da lei moral:
Na primeira formulação, a ação individual deve ter como princípio a ideia de poder se tornar uma lei da Natureza
As leis da Natureza são universais e necessárias, todos os seres a cumprem, não há alternativa. Como a lei da gravidade, os ciclos de vida e outras leis que submetem todos os seres e é inquestionável.
A razão humana é capaz de julgar, independentemente de determinações externas (religião ou leis civis), se uma ação é correta para todos.
Nessa segunda formulação, Kant reforça a ideia de que a humanidade deve ser sempre o objetivo da ética. Todas as ações devem estar subordinadas ao respeito à humanidade.
Essa humanidade é representada tanto na pessoa do agente, aquele que pratica a ação, como nas pessoas que sofrem a ação direta ou indiretamente. Respeitar a si e respeitar o outro é uma forma de respeito à humanidade.
Deste modo, um ser humano jamais pode ser entendido como um instrumento para se alcançar qualquer tipo de objetivos. A humanidade é o fim das ações e nunca um meio.
Kant, nesse momento contraria fortemente a máxima proposta por Maquiavel, que afirma que "os fins justificam os meios".
A terceira e última formulação dá conta da racionalidade humana, da capacidade de julgar e de agir determinado por um fim.
Nela, Kant separa os seres humanos dos outros seres da Natureza. A Natureza age determinada pelas causas, isso causa aquilo. Enquanto os seres racionais determinam sua vontade de acordo com os fins
O agente deve tomar como princípio a ideia de que sua ação possa servir como lei para todas as pessoas. Ou seja, com base na razão, a boa ação é a que está em conformidade com o dever.
Para Kant, a vontade boa é aquela que quer aquilo que deve. Ou seja, a boa vontade orientada pela razão está de acordo com o dever e quer o bem.
A Razão compreende o que é o dever e o ser humano pode escolher agir em de acordo com esse dever ou não. Entretanto, a ação moral será sempre a ação por dever.
Sendo assim, a ação deve ser compreendida como um fim em si mesma, e nunca com base em suas consequências. É a ação pela ação e o dever pelo dever, nunca em vista de outro fim.
Ele acreditava que somente dessa forma os seres humanos poderiam ser livres plenamente e afirmou:
Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa.
Deste modo, a ética de Kant apresenta-se fundamentada na ideia do dever. A ética que se baseia no dever é chamada de ética deontológica. Deontologia deriva do grego deon, que significa "dever". Deontologia seria a "ciência do dever".
A deontologia kantiana se opõe à tradição ética, teleológica. Nela, racionalmente chega-se a conclusão de que o dever é entendido como a finalidade da própria ação, rompendo com a tradição teleológica da ética, que julga as ações de acordo com sua finalidade (em grego, telos).
A ética teleológica tradicional tem como fundamentação a ideia da finalidade da ação. Para a tradição, as ações são morais quando relacionadas com seu fim que se determina como o objetivo das ações humanas.
Para os filósofos gregos, a eudaimonia era o telos, ou o objetivo das ações humanas. Isto é, as ações são boas quando conduzem para o fim maior que é a felicidade.
Na filosofia cristã o telos é a salvação, as boas ações são aquelas que não são consideradas pecado e não se imporiam como obstáculo para uma boa vida após a morte, não conduziriam para uma eternidade de sofrimentos.
Já para o utilitarismo, a finalidade das ações humanas é o prazer. Uma vida prazerosa e sem sofrimentos seria uma vida moral.
Deontologia | Teleologia | |
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Fundamentação | deon, "dever" | telos, "finalidade" |
Corrente de Pensamento |
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Segundo a ética kantiana, a Razão mostra, por exemplo, que mentir não é justo. A mentira não pode ser tomada como uma lei. Em um mundo onde todos mentissem tenderia ao caos e não seria possível determinar a verdade.
E, também, quando se conta uma mentira, o agente não respeita a humanidade em si mesmo, usando um meio injusto para ter algum tipo de benefício. Por outro lado, não respeita a humanidade no outro, negando-lhe o direito à verdade e utilizando-o como um instrumento, que por sua boa-fé, acredita em algo falso e será conduzido a agir de determinada maneira.
A mentira, qualquer que seja sua motivação, jamais passaria pelo crivo do Imperativo Categórico. Essa ideia suscita inúmeras. Dentre elas, a mais conhecida foi proposta por Benjamin Constant (1767-1830), político francês.
Constant utiliza o exemplo do assassino que bate à porta da casa onde sua vítima se esconde e pergunta a quem o atende se a vítima está dentro da casa.
A pessoa que atende a porta deve mentir, privando o assassino do direito à verdade para salvar uma vida? Ou deveria, baseado no Imperativo Categórico, dizer a verdade por ser ela um dever?
Kant afirma que o Imperativo Categórico não impede ninguém de mentir e a pessoa que atendeu a porta poderia mentir ao assassino, mas deveria estar claro que essa não foi uma ação moral, podendo ser passível de algum tipo de punição.
Na série espanhola Merlí, o personagem principal busca refletir com os alunos sobre essa questão relativa à moral kantiana:
Quem é fake? (reflexões com Merlí)Fundamentação da Metafísica dos Costumes - Immanuel Kant
Crítica da Razão Pura - Immanuel Kant
Convite à Filosofia - Marilena Chauí
Iniciação à História da Filosofia - Danilo Marcondes
Pedro Menezes Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (FPCEUP).Show life that you have a thousand reasons to smile
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