A Ética de Kant e o Imperativo Categórico

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    Pedro Menezes Professor de Filosofia

    Immanuel Kant (1724-1804) buscou criar um modelo ético que fosse independente de qualquer tipo de justificação moral religiosa e se baseasse apenas na capacidade de julgar inerente ao ser humano.

    Para isso, Kant elaborou um imperativo, uma ordem, de forma que o indivíduo pudesse utilizar como uma bússola moral: o Imperativo Categórico.

    Esse imperativo é uma lei moral interior ao indivíduo, baseada apenas na razão humana e não possui nenhuma ligação com causas sobrenaturais, supersticiosas ou relacionadas a uma autoridade do Estado ou religiosa.

    O filósofo buscou fazer com a filosofia o que Nicolau Copérnico fez com as ciências. A revolução copernicana transformou toda a forma de compreensão do mundo.

    A ética kantiana está desenvolvida, sobretudo, no livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785). Nele, o autor busca estabelecer um embasamento racional para o dever.

    Capa original de Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) e o filósofo Immanuel Kant

    Moral Cristã e a Moral Kantiana

    Kant foi largamente influenciado pelos ideais do Iluminismo, fundamentalmente laico. O Iluminismo rompeu com toda o conhecimento baseado na autoridade. O pensamento deveria ser uma faculdade autônoma e livre das amarras impostas pela religião, sobretudo, pelo pensamento da Igreja Medieval.

    Kant reforça essa ideia ao afirmar que somente o pensamento autônomo poderia conduzir os indivíduos ao esclarecimento e a maioridade. A maioridade em Kant não está relacionada com a idade, ou maioridade civil, ela é a independência dos indivíduos fundamentada na sua capacidade racional de decidir por si mesmo o que é o dever.

    A moral kantiana se opõe à moral cristã, na qual o dever é entendido como uma heteronomia, uma norma vinda de fora para dentro, a partir das Escrituras ou dos ensinamentos religiosos.

    A ética de Kant fundamenta-se única e exclusivamente na Razão, as regras são estabelecidas de dentro para fora a partir da razão humana e sua capacidade de criar regras para sua própria conduta.

    Isso garante a laicidade, independência da religião, e a autonomia, independência de normas e leis, da moral kantiana. Kant buscou substituir a autoridade imposta pela Igreja pela autoridade da Razão.

    VEJA TAMBÉM: Iluminismo

    O Imperativo Categórico de Kant

    O filósofo buscou estabelecer uma fórmula moral para a resolução das questões relativas à ação. O Imperativo Categórico, ao longo das obras de Kant, aparece formulado de três maneiras diferentes.

    Cada uma das três formulações se complementam e formam o eixo central da moral kantiana. Nela, as ações devem ser orientadas pela razão, sempre saindo do particular, da ação individual, para o universal, da lei moral:

    1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza.

    Na primeira formulação, a ação individual deve ter como princípio a ideia de poder se tornar uma lei da Natureza

    As leis da Natureza são universais e necessárias, todos os seres a cumprem, não há alternativa. Como a lei da gravidade, os ciclos de vida e outras leis que submetem todos os seres e é inquestionável.

    A razão humana é capaz de julgar, independentemente de determinações externas (religião ou leis civis), se uma ação é correta para todos.

    2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio.

    Nessa segunda formulação, Kant reforça a ideia de que a humanidade deve ser sempre o objetivo da ética. Todas as ações devem estar subordinadas ao respeito à humanidade.

    Essa humanidade é representada tanto na pessoa do agente, aquele que pratica a ação, como nas pessoas que sofrem a ação direta ou indiretamente. Respeitar a si e respeitar o outro é uma forma de respeito à humanidade.

    Deste modo, um ser humano jamais pode ser entendido como um instrumento para se alcançar qualquer tipo de objetivos. A humanidade é o fim das ações e nunca um meio.

    Kant, nesse momento contraria fortemente a máxima proposta por Maquiavel, que afirma que "os fins justificam os meios".

    3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais.

    A terceira e última formulação dá conta da racionalidade humana, da capacidade de julgar e de agir determinado por um fim.

    Nela, Kant separa os seres humanos dos outros seres da Natureza. A Natureza age determinada pelas causas, isso causa aquilo. Enquanto os seres racionais determinam sua vontade de acordo com os fins

    O agente deve tomar como princípio a ideia de que sua ação possa servir como lei para todas as pessoas. Ou seja, com base na razão, a boa ação é a que está em conformidade com o dever.

    A Ação por Dever

    Para Kant, a vontade boa é aquela que quer aquilo que deve. Ou seja, a boa vontade orientada pela razão está de acordo com o dever e quer o bem.

    A Razão compreende o que é o dever e o ser humano pode escolher agir em de acordo com esse dever ou não. Entretanto, a ação moral será sempre a ação por dever.

    Sendo assim, a ação deve ser compreendida como um fim em si mesma, e nunca com base em suas consequências. É a ação pela ação e o dever pelo dever, nunca em vista de outro fim.

    Ele acreditava que somente dessa forma os seres humanos poderiam ser livres plenamente e afirmou:

    Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa.

    Deste modo, a ética de Kant apresenta-se fundamentada na ideia do dever. A ética que se baseia no dever é chamada de ética deontológica. Deontologia deriva do grego deon, que significa "dever". Deontologia seria a "ciência do dever".

    Ética de Kant e a Deontologia

    A deontologia kantiana se opõe à tradição ética, teleológica. Nela, racionalmente chega-se a conclusão de que o dever é entendido como a finalidade da própria ação, rompendo com a tradição teleológica da ética, que julga as ações de acordo com sua finalidade (em grego, telos).

    A ética teleológica tradicional tem como fundamentação a ideia da finalidade da ação. Para a tradição, as ações são morais quando relacionadas com seu fim que se determina como o objetivo das ações humanas.

    Para os filósofos gregos, a eudaimonia era o telos, ou o objetivo das ações humanas. Isto é, as ações são boas quando conduzem para o fim maior que é a felicidade.

    Na filosofia cristã o telos é a salvação, as boas ações são aquelas que não são consideradas pecado e não se imporiam como obstáculo para uma boa vida após a morte, não conduziriam para uma eternidade de sofrimentos.

    Já para o utilitarismo, a finalidade das ações humanas é o prazer. Uma vida prazerosa e sem sofrimentos seria uma vida moral.

    Deontologia Teleologia
    Fundamentação deon, "dever" telos, "finalidade"
    Corrente de Pensamento
    • Kantiana - dever
    • Gregos - felicidade/eudaimonia
    • Medievais - Deus/salvação
    • Utilitarista - prazer/ausência de sofrimento
    VEJA TAMBÉM: Ética e Moral: entenda as diferenças

    A Mentira como Problema Ético

    Segundo a ética kantiana, a Razão mostra, por exemplo, que mentir não é justo. A mentira não pode ser tomada como uma lei. Em um mundo onde todos mentissem tenderia ao caos e não seria possível determinar a verdade.

    E, também, quando se conta uma mentira, o agente não respeita a humanidade em si mesmo, usando um meio injusto para ter algum tipo de benefício. Por outro lado, não respeita a humanidade no outro, negando-lhe o direito à verdade e utilizando-o como um instrumento, que por sua boa-fé, acredita em algo falso e será conduzido a agir de determinada maneira.

    A mentira, qualquer que seja sua motivação, jamais passaria pelo crivo do Imperativo Categórico. Essa ideia suscita inúmeras. Dentre elas, a mais conhecida foi proposta por Benjamin Constant (1767-1830), político francês.

    Constant utiliza o exemplo do assassino que bate à porta da casa onde sua vítima se esconde e pergunta a quem o atende se a vítima está dentro da casa.

    A pessoa que atende a porta deve mentir, privando o assassino do direito à verdade para salvar uma vida? Ou deveria, baseado no Imperativo Categórico, dizer a verdade por ser ela um dever?

    Kant afirma que o Imperativo Categórico não impede ninguém de mentir e a pessoa que atendeu a porta poderia mentir ao assassino, mas deveria estar claro que essa não foi uma ação moral, podendo ser passível de algum tipo de punição.

    Na série espanhola Merlí, o personagem principal busca refletir com os alunos sobre essa questão relativa à moral kantiana:

    Quem é fake? (reflexões com Merlí)

    Referências Bibliográficas

    Fundamentação da Metafísica dos Costumes - Immanuel Kant

    Crítica da Razão Pura - Immanuel Kant

    Convite à Filosofia - Marilena Chauí

    Iniciação à História da Filosofia - Danilo Marcondes

    Pedro Menezes Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (FPCEUP).

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