A República de Platão

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    Pedro Menezes Professor de Filosofia

    A República é o segundo diálogo mais extenso de Platão (428-347 a.C.), composto por dez partes (dez livros) e aborda diversos temas como: Política, Educação, Imortalidade da Alma, etc. e tem como eixo central o tema da Justiça.

    No texto, Sócrates (469-399a.C.) é o personagem principal, narra em primeira pessoa e é responsável pelo desenvolvimento das ideias. Esta é a principal e mais complexa obra de Platão, onde se encontram os principais fundamentos de sua filosofia.

    A República (Politeia) idealizada pelo filósofo se refere a uma cidade ideal, chamada de Kallipolis (em grego, "cidade bela"). Nela, deveria ser adotado um novo tipo de aristocracia. Diferente da aristocracia tradicional, baseada em bens e na tradição, a proposta do filósofo é que esta possua como critério o conhecimento.

    A Kallipolis estaria dividida em estratos sociais baseados no conhecimento e governada pelo "rei-filósofo". Os magistrados, responsáveis pelo governo da cidade, seriam aqueles que possuíssem uma aptidão natural para o conhecimento, e, somente após um longo período de formação, estariam preparados para ocupar os devidos cargos.

    Esse sistema de governo é chamado de sofocracia, que vem do grego sophrós, que significa "sábio" e kratia, que significa "poder", "governo", é representado como "o governo dos sábios".

    Papiro encontrado no Egito com fragmentos de A República de Platão datado do século III d.C. (P.Oxy. LII 3679*)* P.Oxy ou POxy representa os Papiros de Oxirrinco. Uma série de textos antigos encontrados em uma escavação arqueológica no Egito. O trecho de A República de Platão está catalogado como LII 3679

    A Morte de Sócrates e A República

    É importante perceber que a morte de Sócrates foi muito importante para a continuidade da filosofia platônica. Motivou-o em parte à proposição de uma cidade ideal e sua crítica à democracia, presentes na obra.

    Sócrates foi condenado à morte, acusado de heresia e corrupção da juventude ateniense. Foi julgado em um tribunal democrático no qual participaram os cidadãos de Atenas.

    Para o Filósofo, a democracia é injusta por permitir que uma pessoa ignorante tenha o mesmo valor que um sábio dentro das deliberações políticas.

    Deste modo, injustiças são cometidas. Para ele, o critério da maioria, base da democracia, não possui qualquer tipo de validade já que, em muitos casos, como o de Sócrates, a maioria pode estar errada e ser democraticamente injusta.

    É em A República que se apresenta o célebre Mito da Caverna, proposto por Platão, uma metáfora sobre a vida de Sócrates e o papel da filosofia.

    No quadro A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David (1787), Sócrates recebe um cálice com cicuta, um veneno utilizado nas sentenças à morte na Grécia Antiga. Enquanto os personagens do quadro aparecem tomados pela tristeza do momento, Platão, ao pé da cama, é retratado imerso em seus pensamentos VEJA TAMBÉM: Democracia Ateniense

    A Justiça, o Principal Tema da República

    A Justiça é o principal conceito desenvolvido na República. Todo o texto se desenvolve ao redor da tentativa de definição desse conceito por Sócrates e seus interlocutores.

    Platão acredita que a Justiça é a maior de todas as virtudes e compreende que, para que se possa praticá-la é necessário defini-la. Os dois primeiros livros são dedicados ao tema e mostram a dificuldade de se definir um conceito tão importante e complexo como a Justiça.

    VEJA TAMBÉM: Dialética de Platão

    Livro I

    O primeiro dos dez livros da obra A República, que consiste em um diálogo socrático criado por Platão, tem início com a ida de Sócrates à casa de Céfalo.

    Lá, Sócrates, inspirado pelos jogos olímpicos que estavam acontecendo, busca definir o que é a Justiça. Sem sucesso, seus interlocutores tentam encontrar a melhor definição que dê conta do conceito.

    Céfalo, um velho comerciante "no limiar da velhice", que vivia comodamente em Atenas, é o anfitrião do encontro. Ao ser questionado, afirma que a Justiça é dizer a verdade e restituir o que é do outro.

    Sócrates refuta essa definição. Céfalo se retira e deixa o debate com seu filho, Polemarco. Este, depois de algum debate, define a Justiça como dar benefícios aos amigos e prejuízos aos inimigos.

    Novamente, a definição é refutada por Sócrates, que afirma que o mal nunca será um ato de justiça. Portanto, o prejuízo não é um ato positivo como exige a Justiça.

    Após esse debate, Trasímaco, um dos sofistas, acusa Sócrates de não querer encontrar definição nenhuma e apenas jogar com as palavras e discordar sem apresentar soluções.

    Trasímaco diz ter uma boa resposta e afirma que a Justiça é o que é vantajoso para o mais forte. No caso, o governo.

    Sócrates, novamente, discorda e mostra que todo o debate foi desvirtuado do caminho sobre a natureza da Justiça. Ele diz que as discussões foram acerca do que é vantajoso: a justiça ou a injustiça e que permanece sem nada saber sobre o tema.

    O Livro I de A República se encerra com essa afirmação.

    Livro II

    O segundo livro de A República tem início com a mesma tentativa de estabelecer a natureza da Justiça. Um dos interlocutores, Glauco, faz uma apologia à injustiça, citando o Mito do Anel de Giges.

    Com ele, Glauco mostra que as pessoas sofrem pelas injustiças praticadas contra elas, mas se beneficiam pela prática da injustiça e pela corrupção. Desse modo, todas as pessoas tendo oportunidade se corrompem e praticam injustiças em benefício próprio.

    No Mito do Anel de Giges, um pastor de ovelhas em meio à tempestade encontra um cadáver que usa um anel. Ele toma para si esse anel e ao regressar à cidade, percebe que esse anel lhe dá o dom da invisibilidade.

    Giges, o pastor, entra no palácio, seduz a rainha e conspira com ela a morte do rei. Após o assassinato do rei, ele assume seu lugar e governa tiranicamente.

    O Mito do Anel de Giges é uma das alusões filosóficas encontradas na obra O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien

    A partir do mito narrado, Glauco espera ter convencido Sócrates de que a Justiça não é em si uma virtude, mas sim o parecer ser justo, já que todos são corruptíveis.

    Entretanto, a refutação a esse argumento, desta vez, não parte de Sócrates, mas do irmão de Glauco, Adimanto. Ele afirma que se pode pensar de forma diferente da que pensa o irmão, que a Justiça é uma virtude (não em si mesma, mas nos efeitos que ela gera), e que, por fim, os justos são recompensados, seja pelos deuses ou pelo reconhecimento dos que ficam após sua morte.

    Sócrates tece elogios aos jovens, mas não acredita que haja resolução para o problema da justiça enquanto não abandonarem o pensamento sobre questões pontuais e pensarem de forma mais ampla, dando conta do todo da justiça para compreender o que ela é na alma.

    Ambos concordam que a justiça é preferível às injustiças e, sendo assim, precisam de criar uma ordenação para que a justiça seja possível. O filósofo encaminha a conversa para a idealização de uma cidade perfeita.

    Somente no Livro IV, Sócrates parece chegar a uma definição de justiça como sendo o equilíbrio e a harmonia entre as partes da cidade.

    A Cidade Ideal de Platão

    Nos próximos livros da República, orientados ideia de Justiça, os três (Sócrates, Glauco e Adimanto) buscam definir a cidade ideal.

    Para isso, definem que a cidade deveria ser dividida em três partes, e que a perfeição está na integração harmônica entre elas.

    A primeira classe de cidadãos, mais simples, é dedicada as ações mais triviais relativas ao sustento da cidade, como o cultivo da terra, o artesanato e o comércio. Os responsáveis por essas atividades são aqueles que possuem na constituição de sua alma, o feno, o ferro e o bronze.

    Os cidadãos de uma segunda classe, de acordo com Platão, são um pouco mais hábeis por possuírem prata na mistura de suas almas. Estes, chamados de guerreiros, protegeriam a cidade e constituiriam o exército e seus auxiliares na administração pública.

    A terceira classe de cidadãos, mais nobres, estudaria por cinquenta anos, se dedicaria à razão e ao conhecimento, que seria a classe dos magistrados. A estes caberia a responsabilidade de governar a cidade, pois só eles teriam toda a sabedoria que a arte da política exige.

    A justiça entendida como uma virtude só poderia ser praticada pelo detentor do conhecimento dedicado à razão. Este poderia controlar suas emoções e seus impulsos e governar a cidade de forma sempre justa.

    Os cidadãos são divididos em grupos de acordo com sua atuação e o nível de conhecimento necessário para o desempenho de suas atividades. Somente a atuação em conformidade com a determinação natural da alma pode trazer o equilíbrio e a harmonia entre as partes.

    A Alma na República

    A composição da alma humana poderia conter bronze, prata ou ouro e isso determinaria à qual das três classes da república cada pessoa pertenceria.

    A alma platônica, assim como a sociedade da república, também é dividida em três partes:

    Parte da Alma Localização no Corpo Função
    Racional Cabeça Razão, busca pelo conhecimento e sabedoria. Controla as demais partes da alma
    Irascível Coração Emoções e sentimentos. Desenvolve a coragem e a impetuosidade
    Apetitiva Baixo-ventre Desejos e apetites sexuais. Desenvolve a prudência e a moderação

    Para Platão, a parte racional da alma é a parte mais desenvolvida pelos filósofos, que a partir dela, controlam as demais.

    Em outro texto, Platão faz uma alusão que afirma que a razão é como as rédeas responsáveis pelo controle de dois cavalos numa carruagem.

    Por esse motivo, os filósofos deveriam ser os responsáveis pelo governo da cidade, por não estarem suscetíveis às emoções e aos desejos.

    Platão afirma que a alma, assim como a cidade, obtém sua plenitude através da relação harmônica entre as partes que integram o todo.

    No livro, Platão desenvolve a ideia de imortalidade da alma e sua relação com o conhecimento, dando continuidade à teoria da reminiscência socrática.

    O filósofo afirma que a alma, por ser imortal e eterna, pertence ao mundo das ideias e lá pode apreender todas as ideias existentes e assim possui todo o conhecimento possível.

    No momento da união da alma com o corpo, a alma se esqueceria desse conhecimento. Somente através da busca pelo conhecimento é que a alma é capaz de relembrar aquilo que já soube.

    Deste modo, no Livro IV de A República, Platão busca conciliar as filosofias opostas de Heráclito (c.540-470 a.C.) e Parmênides (530-460 a.C).

    Heráclito afirmou que o universo estava em um constante movimento de mudança (devir). Platão associa essa constante transformação ao mundo sensível, onde tudo sofre a ação do tempo e possui uma duração: nasce, cresce, morre e se renova.

    De Parmênides, extraiu a ideia da permanência e associou-a ao seu mundo das ideias, onde tudo é eterno e imutável (permanente).

    Essas são as bases do dualismo platônico e sua distinção entre o corpo (mundo sensível) e a alma (mundo das ideias).

    VEJA TAMBÉM: Platonismo, a Filosofia de Platão

    A Educação na República

    Na República, a educação ficaria ao encargo do Estado e as famílias não teriam participação sobre a criação. O Estado seria o responsável por educar os indivíduos e direcioná-los às atividades mais adequadas ao seu tipo de alma (bronze, prata ou ouro).

    É nesse momento que Platão faz uma dura crítica à educação grega, sobretudo à poética.Para ele, a poesia desvirtuaria os indivíduos a partir da ideia de que os deuses seriam detentores de características humanas como: compaixão, predileção, inveja, rancor, etc..

    Esses deuses, humanizados pela poética, serviriam de modelo de corrupção aos indivíduos. A humanização faria com que os deuses questionassem o seu papel dentro da sociedade e tivessem como objetivo uma transformação social.

    Platão propõe que todos os indivíduos recebam uma educação geral baseada nos valores da cidade. Essa educação moldaria o caráter de cada um de seus alunos, conscientizando-os de seu papel dentro da sociedade.

    Após um período de vinte anos, os primeiros indivíduos formados seriam aqueles que possuem feno, ferro e bronze na constituição de suas almas. Eles seriam os responsáveis pela fabricação de artefatos, a produção de alimentos e o comércio.

    Os guerreiros receberiam mais dez anos de formação e após esse período, estariam aptos à defesa da cidade e a cargos auxiliares da administração pública. A prata misturada em suas almas determina sua aptidão para esse tipo de ação.

    Com cinquenta anos de formação e diversas provas, os possuidores de almas com ouro, dedicados aos estudos e à razão, assumiriam os cargos de magistrados e seriam responsáveis pelo governo da cidade.

    Platão mostra que somente os mais esclarecidos podem governar de maneira justa, baseados na razão.

    VEJA TAMBÉM: Neoplatonismo

    Mito da Caverna

    Imagem representativa do Mito da Caverna, por Jan Sanraedam (1604)

    É também na República que Platão escreve uma de suas passagens mais famosas; O Mito da Caverna.

    Na passagem, Platão narra a trajetória de um prisioneiro em uma caverna, que insatisfeito com sua condição, rompe as correntes e sai do local pela primeira vez na vida.

    Esse prisioneiro, agora livre, depois de contemplar o mundo no exterior da caverna, sente compaixão pelos demais prisioneiros e decide regressar para tentar libertá-los.

    Ao tentar se comunicar com os outros prisioneiros, ele é desacreditado, tido como louco e finalmente, morto por seus colegas de aprisionamento.

    Com essa metáfora, Platão buscou demonstrar o papel do conhecimento, que para ele seria o responsável por libertar os indivíduos da prisão imposta pelos preconceitos e pela mera opinião.

    A saída da caverna representa a busca pelo conhecimento, e o filósofo é aquele que mesmo após se libertar das amarras e alcançar o conhecimento, não fica satisfeito.

    Assim, ele sente a necessidade de libertar os outros da prisão da ignorância, mesmo que isso possa causar a sua morte (como aconteceu no caso do prisioneiro da alegoria e de Sócrates, mestre de Platão).

    VEJA TAMBÉM: Mito da Caverna

    Referências Bibliográficas

    PLATÃO. A república. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

    Chauí, Marilena. Introdução à história da filosofia-: Dos pré-socráticos a Aristóteles. Vol. 1. Editora Companhia das Letras, 2018.

    Pedro Menezes Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (FPCEUP).

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