Dialética: a arte do diálogo e da complexidade

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    Pedro Menezes Professor de Filosofia

    A dialética tem sua origem na Grécia antiga e significa o "caminho entre as ideias". Consiste em um método de busca pelo conhecimento baseado na arte do diálogo. É desenvolvida a partir de ideias e conceitos distintos e que tendem a convergir para um conhecimento seguro.

    A partir do diálogo, distintos modos de pensamento são evocados e surgem as contradições. A dialética eleva o espírito crítico e autocrítico, compreendido como o cerne da atitude filosófica, o questionamento.

    Origens da Dialética

    A origem da dialética é uma questão em disputa entre dois filósofos gregos. Por um lado, Zenão de Eleia (c. 490-430 a.C.) e, de outro, Sócrates (469-399 a.C.) tem atribuídos a si, a fundação do método dialético.

    Mas, sem dúvida, foi Sócrates quem tornou célebre o método desenvolvido na filosofia antiga, que influenciou todo o desenvolvimento do pensamento ocidental.

    Para ele, o método do diálogo era a forma pela qual a filosofia se desenvolvia, construía conceitos e definia a essência das coisas.

    Hoje em dia, o conceito de dialética tornou-se a capacidade de se perceber a complexidade e, mais que isso, as contradições que constituem todos os processos.

    VEJA TAMBÉM: Dialética de Platão

    A Dialética ao Longo da História

    Diálogo entre Sócrates e Aspásia

    Desde a importância dada ao diálogo proposta no método socrático, a dialética, ao longo do tempo, perdeu força. Muitas vezes, configurou-se como secundária ou como um método acessório ao método científico.

    Principalmente, durante a Idade Média, o conhecimento estava assentado junto uma divisão social estratificada. O diálogo e o embate de ideias era algo a ser reprimido, e não estimulado. O diálogo não era entendido como um método válido para a aquisição do conhecimento.

    Com o Renascimento, uma nova leitura do mundo que negava modelo anterior fez com que a dialética voltasse a ser um método respeitável para o conhecimento.

    O ser humano passou a ser compreendido como um ser histórico, dotado de complexidade e passível de transformação.

    Essa concepção se opõe ao modelo medieval que compreendia o homem como uma criatura perfeita à imagem e semelhança de Deus e, poi isso, imutável.

    Essa complexificação traz consigo a necessidade de recorrer a um método que desse conta do movimento no qual os seres humanos encontravam-se inseridos.

    A partir do Iluminismo, o apogeu da razão, fez com que a dialética fosse um método capaz de dar conta das relações humanas e sociais em constante transformação.

    Foi o filósofo iluminista Denis Diderot (1713-1784) que percebeu o caráter dialético das relações sociais. Em um de seus ensaios escreveu:

    Sou como sou porque foi preciso que eu me tornasse assim. Se mudarem o todo, necessariamente eu também serei modificado."

    Outro filósofo responsável pelo fortalecimento da dialética foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ele percebeu que a sociedade era desigual, muitas vezes injusta e composta de contradições.

    A partir desse pensamento, Rousseau passa a propor uma mudança da estrutura social que pudesse ser a favor da maioria, e não zelar pelos interesses de uma minoria.

    Sendo assim, a "vontade geral" pregada por Rousseau vai além e prega a convergência das ideias para alcançar o bem comum.

    Essas ideias ecoaram pela Europa e encontraram sua materialização na Revolução Francesa. A política e o diálogo serviram de princípios para o estabelecimento do novo modo de governo.

    Com Immanuel Kant (1724-1804), a percepção das contrariedades está relacionada à proposta de estabelecimento de limites para o conhecimento humano e a razão.

    Com isso, Kant acreditou ter encontrado a solução para o problema entre racionalistas e empiristas, a concepção do ser humano como sujeito de conhecimento, ativo na compreensão e na transformação do mundo.

    Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas.

    A partir do pensamento kantiano, o filósofo alemão Hegel (1770-1831) afirmou que a contradição (a dialética) não se encontra apenas no ser do conhecimento, mas constitui a própria realidade objetiva.

    Hegel e a Dialética

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    Hegel percebe que a realidade restringe as possibilidades dos seres humanos, que se realizam como uma força da natureza capaz de transformá-la a partir do trabalho do espírito.

    A dialética hegeliana é composta de três elementos:

    1. Tese

    A tese é a afirmação inicial, a proposição que se apresenta.

    2. Antítese

    A antítese é a refutação ou negação da tese. Demonstra a contraditoriedade daquilo que foi negado, sendo a base da dialética.

    3. Síntese

    A síntese é composta a partir da convergência lógica (lógica dialética) entre a tese e sua antítese. Essa síntese, entretanto, não assume um papel de conclusão, mas sim como uma nova tese capaz de ser refutada dando continuidade ao processo dialético.

    Hegel mostra que o trabalho é o que separa os seres humanos da natureza. O espírito humano, a partir das ideias, é capaz de dominar a natureza pelo trabalho.

    Vejamos o exemplo do pão: a natureza oferece a matéria-prima, o trigo, o ser humano a nega, transforma o trigo em massa. Essa massa após assada transforma-se em pão. O trigo, assim como a tese, permanece presente, mas assume outra forma.

    Hegel, como idealista, compreende que o mesmo acontece com as ideias humanas, avançam de forma dialética.

    O verdadeiro é o todo.

    VEJA TAMBÉM: Idealismo Filosófico

    Marx vs. Hegel

    Karl Heinrich Marx

    O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), estudioso e crítico de Hegel, afirmou que falta no pensamento hegeliano uma visão totalizante que dê conta de outras contradições.

    Marx concorda com Hegel no aspecto do trabalho como força humanizadora. Entretanto, para ele o trabalho dentro da perspectiva capitalista, pós-revolução industrial assume um caráter alienante.

    Marx constrói um pensamento materialista em que a dialética se dá a partir da luta de classes em seu contexto histórico.

    Para o filósofo, a dialética precisa estar relacionada ao todo (a realidade) que é a história da humanidade e da luta de classes, bem como à produção de ferramentas para a transformação desta realidade.

    Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo; o importante, no entanto, é transformá-lo.

    Essa totalidade mais ampla não está completamente definida e acabada, pois é limitada ao conhecimento humano. Todas as atividades humanas possuem esses elementos dialéticos, o que se altera é a abrangência da leitura dessas contradições.

    A atividade humana é composta de diversas totalidades de abrangências distintas, sendo a história da humanidade o nível mais amplo da totalização dialética.

    A consciência dialética é o que permite a transformação do todo a partir das partes. A educação parte do princípio de que a leitura da realidade é composta de, pelo menos, dois conceitos contraditórios (dialéticos).

    VEJA TAMBÉM: Materialismo Dialético

    Engels e as Três Leis da Dialética

    Friedrich Engels

    Após a morte de Marx, seu amigo e parceiro de investigação Friedrich Engels (1820-1895), a partir das ideias presentes em O Capital (primeiro livro, 1867), buscou estruturar a dialética.

    Para isso, desenvolveu suas três leis fundamentais:

  • Lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa). As mudanças possuem ritmos distintos, podendo alterar-se em sua quantidade e/ou em sua qualidade.
  • Lei da interpretação dos contrários. Os aspectos da vida possuem sempre dois lados contraditórios que podem, e devem, ser lidos em sua complexidade.
  • Lei da negação da negação. Tudo pode, e deve, ser negado. Entretanto, a negação não se mantém como uma certeza, também deve ser negada. Para Engels, esse é o espírito da síntese.
  • Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real.

    VEJA TAMBÉM: Materialismo Histórico

    Leandro Konder e a Semente de Dragões

    Leandro Augusto Marques Coelho Konder

    Para o filósofo brasileiro Leandro Konder (1936-2014), a dialética é pleno exercício do espírito crítico e o método de questionamento capaz de desmontar preconceitos e desestabilizar o pensamento vigente.

    O filósofo recorre ao pensamento do escritor argentino Carlos Astrada (1894-1970) e afirma que a dialética é como "semente de dragões", sempre contestadora, capaz de intranquilizar todas as mais estruturadas teorias. E os dragões nascidos dessa constante contestação hão de transformar o mundo.

    Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora, talvez causem tumulto, mas não são baderneiros inconsequentes; a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialético.

    VEJA TAMBÉM: Filósofos Brasileiros que Você Precisa Conhecer Interessou? Aqui tem outros textos que podem te ajudar:

    • O conceito de alienação na Sociologia e na Filosofia
    • Marxismo
    • Divisão social do trabalho
    • Conceito de mais valia para Marx
    Pedro Menezes Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (FPCEUP).

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