O conto Dia de Dizer Não foi publicado no ano 2000 no livro Invenção e Memória. O tempo é psicológico, e a história vai sendo narrada a partir dos pensamentos da personagem.
Já no primeiro parágrafo, faz alusão à obra Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e confunde os leitores mais desinformados. Quase em meio a um devaneio, mas que parece ser coerente, a personagem disserta a respeito de um certo “invasor da vontade” e da culpa humana. A culpa parece ser a matéria-prima da narrativa e é em meio a um pensamento quase filosófico que a autora a cita, assim como cita o Apocalypse e os ensinamentos de Jesus a respeito do próximo.
É aí que Lygia Fagundes Telles começa a fazer uma crítica declarada à realidade social. O tal “invasor da vontade” se transforma em “invasor-político” e o pensamento vai se tornando mais claro:
“O próximo que Jesus pediu para amar, eu sei. Mas Ele está vendo como ficou o próximo neste século. E não estou pensando no próximo real (o povo) mas nesse próximo oficial, o político-invasor que nem está se importando realmente quando ouve a recusa: faz uma cara aborrecida mas logo vai tomar chope ou cocaína e esquece. Contudo, mostra-se exigente.“
Este conto é portanto, socialmente engajado, e faz uma análise do papel do povo e do político, ressaltando o incômodo da escritora ao tratar de questões como estas, ao abordar este tema complexo e tentar levantar questões importantes do ponto de vista social. E continua o conto com o tom quase de denúncia, ao falar da forma como o político se comporta, de como se torna invasor e de como o povo se torna invadido:
“E costuma fazer perguntas no tom de quem não aprecia respostas pessimistas, o cobrador é o oposto do negativista. Tudo bem?, ele pergunta e o invadido deve responder, Tudo bem! com aquele ar atlético de quem já deu a volta por cima quando na realidade está caído de borco no chão. É o sim do comodismo. Da servidão. A cega esperança.”
O conto, portanto, trabalha idéias, imagens, valores, de uma forma dupla, tanto literariamente, quanto ideologicamente, posicionando-se claramente, a respeito da temática social.
Ao longo do restante do texto, repleto de intertextualidades, a autora vai esplanando a dualidade que a perturba, a vontade de dizer o Não à realidade, e o condicionamento de continuar a conviver com ela.
“Uma parte de mim mesma se deita no escuro enquanto a outra parte (estou dividida) me aponta a rua.”
Continua, pois, retratando o conflito de uma personagem que se incomoda e critica aquilo que vê. A personagem começa a descrever diversas imagens, cenas, situações, que moldam um verdadeiro caos social, e cada uma delas tem a função de desenhar aquilo que é o objetivo do conto: a crítica realidade social em que a personagem vive.
Fonte: http://www.letraselivros.com.br/livros/textos-escolhidos/2483-lygia-fagundes-telles-espelhos-da-alma.html?start=1 http://www.gelbc.com.br/pdf_revista/3003.pdf
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