Jardim Selvagem

O Jardim Selvagem de Lygia Fagundes Telles faz parte do livro de contos Antes do baile verde, que foram escritos no período de 1949 a 1969.

Apesar do tempo decorrido, os temas abordados nas narrativas continuam atuais; a luta das mulheres pela sua libertação social, por exemplo. O conto foi escrito no ano de 1965 e abrange temáticas como a inversão dos papéis tradicionais de gênero no contexto familiar e a insatisfação no casamento, assuntos tidos como “tabus” numa época em que o modelo patriarcal dominava a sociedade.

O Jardim Selvagem tem como narradora a personagem Ducha, uma adolescente de cerca de quinze anos, que vive com sua tia Pombinha, uma mulher sem vaidades e totalmente devotada à família, em especial ao irmão caçula Ed, que ela ajudou a educar após a morte da mãe. Esse irmão casa-se repentinamente com Daniela, uma mulher da qual nada se sabe, que usa uma luva constantemente em apenas uma das mãos e que foge aos padrões de conduta da época, pois é emancipada e faz o que quer, sem se preocupar com a opinião alheia. Após alguns meses de casamento, Ed é acometido por uma súbita doença e acaba se suicidando. O leitor, através da visão da menina Ducha, é levado a se interrogar sobre a participação de Daniela nessa morte.

A linguagem utilizada pela autora é concisa e objetiva, fato que proporciona um caráter ágil à narrativa; os diálogos vão construindo e caracterizando as personagens, informando ao leitor sobre a evolução do enredo. “O jardim selvagem” é um texto narrado em primeira pessoa, sob o ponto de vista de uma pré-adolescente em cujas inserções se revelam os comportamentos e as opiniões das demais personagens acerca da matéria narrada, bem como suas concepções de vida, relacionadas, sobretudo, aos papéis de gênero.

Ducha, a narradora, se vê exposta a modelos de identidades femininas a partir dos quais ensaia possíveis formas de se tornar mulher. Apresentam-se a ela pelo menos duas formas distintas de comportamento feminino: o da tia Pombinha, uma mulher ligada às práticas da sociedade patriarcal, criada num ambiente social em que a mulher não tem presença marcante, semre por trás da presença dominante masculina; e Daniela, a esposa do tio Ed, que ela só conhece de ouvir falar; uma mulher ousada, elegante, forte, totalmente liberada e com modos e costumes diferentes para a sociedade da época; enfim, uma mulher “selvagem”.  Daniela é capaz de matar friamente um cachorro com um tiro na orelha ao ver o animal com uma estranha doença.

Trata-se, na verdade, de uma figura feminina envolvida por um clima de mistério: fazem parte de seu comportamento estranho e misterioso o uso constante da luva na mão direita, assim como a falta de informações sobre seu passado.

A narrativa vai sendo construída de forma a criar suspense em relação ao caráter e à verdadeira essência de Daniela, de forma que, seguido ao episódio da morte do cachorro, sucede-se a doença de Ed.

Os cuidados dela com o marido doente podem conduzir o leitor a vários questionamentos, inclusive o de um zelo excessivo para evitar suspeitas de um possível assassinato.

Fonte: CAMPOS, Maria Consuelo Cunha. Gênero. In: JOBIM, José Luis. Palavras de crítica: tendências e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

TELLES, Lygia Fagundes. Mulheres, mulheres. In: História das mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2002.

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