O que é Arte?

Antes de nos perguntarmos “O que é arte?” talvez precisemos considerar que essa é uma questão sem resposta. Não podemos ter uma resposta objetiva para essa pergunta já que, quando nos referimos à arte, estamos falando de uma área do conhecimento que é justamente o oposto disso. O universo da arte diz respeito, sobretudo, à subjetividade humana e, por isso, não se presta a uma resposta direta e assertiva, conforme encontramos em outras áreas do saber, tais como nas ciências exatas. Assim, conceitos como “certo” e “errado” não se aplicam à arte (citaremos aqui exemplos das Artes Visuais, como pinturas e esculturas, mas é preciso lembrar que a Dança, as Artes Cênicas, a Música e a Literatura também são importantes linguagens artísticas).

Condessa de Haussonville, pintura deJean Auguste Dominique Ingres (1845).

Imagine que estamos visitando uma exposição em uma galeria de arte. Nesta mostra existem obras de várias épocas, tipos e dimensões. Algumas delas nos parecem familiares, como, por exemplo, a pintura A Condessa d’Haussonville (1845) de J. Ingres. Nela, podemos admirar a habilidade do artista não apenas na representação realista da Condessa, como também na precisão com que representou as diferentes texturas dos tecidos e outros materiais que compõem a cena: é como se realmente pudéssemos tocá-los. Outras obras, no entanto, podem nos causar estranhamento, como a escultura Compressão (1967) de César Baldaccini, construída com sucatas de automóveis prensados, e cujo aspecto é de deterioração. Não é difícil deduzirmos que, para a maioria das pessoas que observaram essas obras, a primeira tenha sido considerada uma verdadeira obra de arte; enquanto a segunda, por sua vez, foi observada com desconfiança.

O que faz com que uma delas seja considerada arte, por grande parte do público, e a outra não? Aquilo que determina que algo seja ou não qualificado como arte é o que cada observador acredita que seja, afinal de contas, arte. Para aqueles que creem que o realismo e a habilidade técnica do artista são condições fundamentais para que algo receba o nome de arte, então apenas o nosso primeiro exemplo será um objeto artístico. Para outros, que levam em conta não apenas a aptidão do artista, mas também a ideia por trás de uma produção artística, então inclusive a estranha escultura de Baldaccini poderá ser considerada arte. Logo, caberá ao espectador dar sentido e significado para uma produção artística. Da mesma forma como duas pessoas terão duas interpretações diferentes de um mesmo um livro, assim também as interpretações a respeito de uma obra de arte serão tão variadas quanto o seu número de observadores.

Desse modo, ao nos questionarmos “o que é arte?” poderemos ter interessantes reflexões, múltiplos pontos de vista e inúmeras tentativas de esclarecimento. Com afinco, muitos estudiosos do assunto se dedicaram a compreender melhor a arte e, na busca por respostas para a sua milenar existência, certamente chegaram a conclusões pertinentes, mas jamais a uma resposta final. O historiador de arte Ernest Gombrich, em seu livro A história da arte, por exemplo, nos sugere que só existe arte porque existem artistas e que, por isso, ao compreendermos melhor as intenções que os mobilizaram, teremos um entendimento mais ampliado a respeito das obras produzidas. Assim, a riqueza da arte consiste no fato de que ela está constantemente aberta a novas e diferentes concepções.

Vale lembrar que o próprio conceito de arte é relativamente novo na história da humanidade. Até aproximadamente a Idade Média, produzir uma pintura ou escultura fazia parte de um ofício com uma função determinada, nada mais do que isso. Foi apenas durante o Renascimento que surgiram os conceitos de arte e de artista. Tais significados, é claro, mudaram muito desde aquele período até a atualidade, pois a arte acompanha e reflete as mudanças que ocorrem na sociedade. No entanto, muitos conceitos sobre arte persistem ao longo dos séculos, como, por exemplo, as ideias de “dom” ou “talento”, surgidas durante a Renascença e ainda muito presentes no cotidiano. Seja como for, o entendimento do que é arte está diretamente relacionado com o tempo, o lugar e a cultura onde ela se manifesta.

Nesse sentido, talvez a pergunta “o que é arte?” possa ser substituída, atualmente, por outra: “onde a arte está?”. De fato, principalmente a partir dos anos 60 do século XX, cada vez mais as produções artísticas estão ocupando lugares bem distantes das galerias e museus tradicionais. É o caso de uma proposição artística como Campo de raios (1977) de Walter de Maria, que consiste em uma série de estacas de metal distribuídas em um local isolado no Novo México, conhecido pela grande incidência de raios, para onde o público precisa viajar para contemplar os perigosos clarões.

Vimos anteriormente que o público pode definir aquilo que é ou não é arte a partir das suas convicções individuais, mas sabemos que elas não possuem um alcance coletivo, não alteram o que será apresentado em uma exposição de arte, não é mesmo? Isso nos leva a outro ponto do debate: a arte, assim como outras áreas do conhecimento, possui um complexo sistema que legitima o que é ou o que não é arte, assim como se essa produção artística possui valor ou não.

De um modo geral, fazem parte desse sistema os artistas; os historiadores de arte, que se dedicam a compreender as obras e movimentos artísticos ao longo da história; os curadores e críticos, cuja função é escolher as produções para uma exposição, assim como escrever sobre elas; o marchand, que negocia as obras, dentre outros agentes. Junto a isso, fazem parte desse sistema os locais onde as obras são expostas, como museus, galerias, centros culturais etc. Se tudo isso parece distante da nossa realidade, basta nos lembrarmos que o simples fato de comprarmos uma caneca com a reprodução da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (uma pintura que foi consagrada por esse sistema), também nos torna parte dele.

Como podemos perceber, a pergunta “o que é arte?” é, felizmente, uma pergunta aberta, sem respostas conclusivas. “A arte não responde, pergunta” foi o slogan da 4ª edição da Bienal do Mercosul (2003). Dessa forma, talvez mais importante do que buscarmos respostas sobre as obras de arte, seja estarmos dispostos a perceber as questões que elas nos dirigem quando as observamos atentamente. Essas sim são perguntas verdadeiramente transformadoras, pois, através da arte, podem ampliar nossas concepções a respeito do mundo e sobre nós mesmos.

Referências

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FRAGA, César. A arte pergunta. Disponível em: https://www.extraclasse.org.br/edicoes/2003/10/a-arte-pergunta/. Acesso em 14/06/2018.

GOMBRICH, Ernest H. A história da arte. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2011.

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