A memória é algo crucial a toda a humanidade, escreveu o historiador Jaques Le Goff, seja do ponto de vista psíquico ou das ciências humanas. A construção da memória, ou forjar uma memória coletiva é algo mais fundamental ainda do aspecto histórico.
A criação de heróis nacionais, no caso brasileiro, vem de uma necessidade de criar um Estado-nação. Há de se considerar aqui que o Brasil primeiro surge como estado, com sua delimitação territorial, colônia submissa à Portugal, mas apenas em 1822, torna-se independente.
E a independência nem pode ser considerado o marco do surgimento da nação brasileira, tal que o contraste entra as distantes partes deste Estado e a difícil aceitação a um soberano de origem portuguesa, o imperador D. Pedro I, deram origem a movimento separatistas a exemplo da Confederação do Equador de 1824.
É só a partir de meados do século XIX, já no Segundo Reinado, durante o Romantismo, que os artistas imbuídos de um espírito nacionalista de exaltar uma dita nação brasileira começam a tentar pincelar os primeiros traços de um herói nacional. Processo similar ocorreu na Europa, porém no século a partir do século XVIII.
Para os românticos, o típico herói nacional deveria ser o brasileiro nato, portanto, quem melhor do que o nativo? Os romances e as pinturas de temática indigenista são o grande filão deste período, idealizando uma figura mítica do bom selvagem.
Avançando no tempo, hoje, em Brasília, existe um monumento conhecido como Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, este conjunto arquitetônico abriga o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, mais conhecido como Livro de Aço. Ali são grafados os nomes de figuras que tiveram papel fundamental, de acordo com a história oficial, na construção da história da nação brasileira.
De acordo com o site da Agência Senado, havia dez nomes inicialmente: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Marechal Deodoro da Fonseca, D. Pedro I, Duque de Caxias, Plácido de Castro, Almirante Tamandaré, Almirante Francisco Manoel Barroso da Silva, Alberto Santos Dumont e José Bonifácio de Andrada.
Interessante notar como só figuravam nomes masculinos e até mesmo o estrangeiro D. Pedro I consta entre os nossos heróis, tal feito é exemplar de um modelo de história que se consagrou ao construir sobre a imagem de grandes figuras históricas, grandes personalidades, grandes vultos. Contudo, a presença de Zumbi dos Palmares entre aqueles homens demonstra um mínimo movimento em colocar outras figuras em lugares de poder.
Ao longo dos anos outros nomes foram sendo incluídos no rol de heróis e heroínas nacionais, o que concedeu ao livro maior pluralidade e proximidade com a nossa sociedade, mas não sem deixar a tradição de fazer a história sobre grandes figuras, pois há de se considerar que a história também é construída por uma série de anônimos e anônimas, basta lembrarmos do monumento, na Itália, aos praças brasileiros que combateram e morreram na Segunda Guerra Mundial, porém ninguém lembra de seus nomes.
Para integrar o Livro de Aço é necessário que o Senado e a Câmara Federal aprovem uma lei com o pedido de inclusão e que já tenha transcorrido, pelo menos, 10 anos da morte da pessoa homenageada.
Além, dos mencionados anteriormente, hoje também figuram no Livro de Aço: Chico Mendes, Frei Caneca, Marechal Osório, Ildefonso Pereira Correia, Brigadeiro Antônio Sampaio, Sepé Tiaraju, Anna Nery, Hipólito José da Costa, Padre José de Anchieta, Getúlio Vargas, João de Deus do Nascimento, Lucas Dantas de Amorim Torres, Manuel Faustino Santos Lira, Luís Gonzaga das Virges e Veiga, os jovens Mário Martins de Almeida, Euclydes Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade (conhecidos pela sigla MMDC), Heitor Villa-Lobos, Júlio César Ribeiro de Souza, Seringueiros Soldados da Borracha, Domingos Martins, Barão do Rio Branco, Padre Roberto Landell de Moura, Anita Garibaldi, Francisco Barreto de Menezes, João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros, Henrique Dias, Antônio Filipe Camarão, Antônio Dias Cardoso, Bárbara Pereira de Alencar, Marechal Rondon, Rui Barbosa, Leonel de Moura Brizola, Clara Camarão, Antônia Alves Feitosa (Jovita Feitosa), Zuleika Angel Jones (Zuzu Angel), Francisco José do Nascimento (Dragão do Mar), Joaquim Maria Machado de Assis, Maestro Antônio Carlos Gomes, João Pedro Teixeira, Visconde de São Leopoldo, Martim Soares Moreno, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, Joaquim Francisco da Costa, Luiz Gama, Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Sóror Joana Angélica de Jesus, Maria Felipa de Oliveira, João das Botas e Miguel Arraes de Alencar.
Bibliografia:
CARVALHO, Jose Murilo. Nação imaginária: memória, mitos e heróis. In: Artepensamento: ensaios filosóficos e políticos/IMS. São Paulo: Edições Sesc, 2003. Disponível em: https://artepensamento.ims.com.br/item/nacao-imaginaria-memoria-mitos-e-herois/, acesso em 07 dez. 2021.
LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 2008, p. 419-476.
NAZÁRIO, Moisés de Oliveira. Lista oficial de Heróis da Pátria pode aumentar. Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/03/22/lista-oficial-de-herois-da-patria-pode-aumentar, acesso em 07 dez. 2021.
SECEC/DF. Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Novos nomes para o Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Disponível em: https://www.cultura.df.gov.br/novos-nomes-para-o-livro-de-herois-e-heroinas-da-patria/, acesso em 07 dez. 2021.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/herois-nacionais/
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