"Antigo regime" é o termo que designa o modo de governo do Estado e da sociedade francesa durante a Era Moderna. Embora existam vários outros exemplos de reinos que podem ilustrar o conceito de monarquia do período, como a Espanha e a Inglaterra, a expressão em si costuma identificar predominantemente o modo de ser do Estado francês durante o período da dinastia Bourbon antes da eclosão da Revolução Francesa.
No Antigo Regime, o princípio monárquico – ou seja, a pessoa e a instituição real – é sagrado, como visto pela cerimônia indispensável de coroação de um novo monarca. Ao rei francês, inclusive, são atribuídos poderes curativos por meio de um simples toque. Este caráter religioso da figura do monarca significava que o Estado francês tinha como objetivo alcançar a uniformidade religiosa entre os súditos. A essência sagrada da monarquia como um todo se inscreve, porém, em um sistema maior de simbolismos, onde a justiça e a dignidade reais eram imortais, não dependendo das figuras dos monarcas. Daí vem a teoria dos dois corpos do rei: um era humano e mortal, e outro era a própria instituição monárquica, que era perpétua e passava sucessivamente a cada rei após o falecimento de seu predecessor. Esta transmissão era familiar, derivando-se da chamada mística do sangue.
Além de ter sido escolhido por Deus para liderar, o rei tinha um importante laço com seus súditos, numa dinâmica frequentemente comparada no início da Idade Moderna com a de um casamento; no caso, o dote trazido pela população em geral seria o próprio domínio a ser exercido pelo soberano sobre eles. Contudo, os súditos ainda poderiam ser representados nas decisões governamentais por meio da instituição nacional chamada de Estados Gerais. Nela, as três ordens dos reinos – clero, nobreza e povo – eram convocados pelo monarca para debaterem importantes questões do reino. Embora apenas se reunissem por ordem do soberano, os Estados Gerais eram um meio importante de garantir a legitimidade real. Fundamental para a manutenção do Antigo Regime era também a corte. Ainda no século XVII, o rei Luís XIV veiculou uma série de benefícios aos grandes nobres à sua residência permanente no Palácio de Versalhes, possibilitando assim seu controle ao erigir um complexo sistema hierárquico de corte que estimulava a competição da nobreza pelo favor real.
Do ponto de vista econômico, o Estado se sustentava graças à exploração do terceiro Estado, o único que pagava impostos. Embora as finanças do reino estivessem em crise há várias décadas, seria com o apoio francês às 13 Colônias na Guerra de Independência Americana (1775-83) que desequilibrou definitivamente a economia. Colheitas ruins agravariam a situação, expondo a sociedade extremamente desigual gerada pelo Antigo Regime e os privilégios dos dois primeiros estamentos. Chamando os Estados Gerais pela primeira vez em quase duzentos anos, o rei Luís XVI viu-se sem legitimidade suficiente para forçar uma solução, o que iniciou uma crise política. Poucas semanas depois, ocorreria a queda da Bastilha, tradicionalmente considerada o marco inicial da Revolução Francesa e do processo que levaria ao fim do Antigo Regime.
Bibliografia:
LADURIE, Emmanuel Le Roy. “Introdução – A Monarquia Clássica”. In: O Estado Monárquico – França 1460-1610. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pp. 9-14.
ROTELLI, Ettore. “Ancien Régime”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfrancesco (orgs.) Dicionário de Política, Volume 1. Brasília: Editora UnB, 1998. pp. 29-30.
SERIACOPI, Gislane Campos Azevedo; SERIACOPI, Reinaldo. “A Revolução Francesa”. In: História: volume único. São Paulo: Ática, 2005. pp. 252-257.
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