Quando uma fase aquosa rica em macromoléculas se forma ela pode ser denominada de coacervado. Estes aglomerados podem incluir proteínas, ácidos nucleicos e polímeros envoltos por moléculas de água. Este equilíbrio termodinâmico entre uma fase densa e outra diluída pode se formar espontaneamente nas condições ideais e vem recebendo grande atenção da comunidade cientifica por apresentar a compartimentalização molecular que poderia ter ocorrido na formação das primeiras formas de vida do planeta.
Enquanto coloides liofílicos, os coacervados mantem características liquidas contendo macromoléculas densas em uma estrutura estável mesmo sem a ocorrência de uma membrana. Eles se formam através de uma separação de fase liquido-liquido de forma associativa (que se mantem através de forças eletrostáticas entre cargas opostas das macromoléculas formadoras, principalmente polímeros) ou de maneira segregativa (quando proteínas presentes reduzem as interações de repulsa graças a suas propriedades hidrofóbicas).
Na biologia, os coacervados são estudados por diversas razões. Uma delas é a comparação deles com células e organelas com membranas, a fim de avaliar suas relações e ancestralidade. Os coacervados, enquanto condensados moleculares sem membrana, não possuem uma barreira lipídica que os distingue de seu ambiente. Ainda assim, as proteínas e polímeros que os formam se mantem unidas por forças intermoleculares e apresentam interações próprias com o meio. O interior das células pode conter coacervados associados a armazenagem de substancias celulares importantes na tradução de sinais ou na expressão de genes no núcleo dos eucariotos.
Experimentos com coacervados espontâneos mostram que estas estruturas podem adquirir características gelatinosas ou até mesmo cristalinas, que podem ser utilizadas de muitas formas ou causar diversos efeitos nos organismos na qual elas ocorrem. Alguns vermes marinhos, por exemplo, parecem utilizar coacervados ambientais como substancias adesivas para a construção de estruturas de refúgio. A pesquisa de doenças neurodegenerativas tem associado a demência e algumas formas de esclerose com coacervados que ocorrem no tecido nervoso e, com o tempo, passam a apresentar mudanças conformacionais adquirindo características de um sólido, o que os torna partículas potencialmente patogênicas.
Contudo, o maior interesse nestes agregados estáveis ocorre através da hipótese da origem da vida. Biólogos acreditam que a formação de coacervados no caldo primordial (líquido composto por uma mistura química complexa formado nos estágios iniciais de formação do planeta Terra, onde componentes inorgânicos, gases e água estavam diretamente expostos a radiação ultravioleta) tenha hipoteticamente formado os primeiros seres vivos, capazes de se dividir e, assim, reproduzir. Os coacervados que se formassem com as macromoléculas ideais (proteínas e ácidos nucleicos) poderiam se diferenciar em protocélulas, as quais passariam a interagir com o ambiente adquirindo novas características conforme entrassem em contato com diferentes compostos. Experimentos conduzidos em laboratório comprovaram parte desta hipótese, obtendo estruturas complexas com características celulares a partir de compostos inorgânicos expostos a radiação. Embora a formação da membrana lipídica que individualizaria o ambiente citoplasmático ainda segue em estudo, evidencias recentes demonstram que a natureza aquosa e densa dos coacervados poderia favorecer uma serie de reações químicas que simplesmente não aconteceriam na água, indicando que estas estruturas podem ter um papel chave na formação das primeiras organelas e células do nosso planeta.
A principal teoria que contraria a relação dos coacervados com a origem da vida se baseia na formação das moléculas de RNA que, antecedendo o DNA e a formação de membranas, teriam adquirido a capacidade de replicação espontânea passando assim a transmitir informação genética além de atuar em reações enzimáticas que poderiam caracterizar uma forma de vida primordial. Tanto a hipótese dos coacervados quanto a do mundo dos RNAs seguem em debate na comunidade cientifica, com novos dados e argumentos sendo adicionados ao longo dos anos.
Referências:
Donau, C., Späth, F., Sosson, M., Kriebisch, B.A., Schnitter, F., Tena-Solsona, M., Kang, H.S., Salibi, E., Sattler, M., Mutschler, H. and Boekhoven, J., 2020. Active coacervate droplets as a model for membraneless organelles and protocells. Nature communications, 11(1), pp.1-10.
Ghosh, B., Bose, R. and Tang, T.D., 2020. Can coacervation unify disparate hypotheses in the origin of cellular life?. Current Opinion in Colloid & Interface Science, p.101415.
Zhang, L., Lipik, V. and Miserez, A., 2016. Complex coacervates of oppositely charged co-polypeptides inspired by the sandcastle worm glue. Journal of Materials Chemistry B, 4(8), pp.1544-1556.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/bioquimica/coacervados/
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