Dinheiro ou moeda

O dinheiro ou moeda é uma instituição e meio de pagamento que se desenvolveu quando as pessoas perceberam as vantagens das trocas indiretas em relação às trocas diretas.

Conceito de dinheiro e estruturação

Imagine que João tenha café e precise de carne. Joaquim, dono do açougue, não gosta de café. João trocaria café com Antônia que lhe proporcionaria milho, depois trocaria milho pelos peixes de Afonso, usando os peixes para enfim conseguir carne com Joaquim. Que trabalheira ele teria!

O exemplo anterior é um sistema primitivo de trocas denominado de escambo, onde as transações econômicas são diretas. As trocas diretas foram feitas na historia humana por muito tempo, e ainda continuam a existir, como quando as crianças trocam entre si figurinhas de seus cadernos. Entretanto, no mercado, seria muito mais demorado para resolver necessidades de bens de consumo através do escambo do que crianças trocando figurinhas nas escolas.

É mais viável fazer transações com algo que lhe permita uma possibilidade maior de fazer outras trocas. Dinheiro é um meio de troca, que universaliza as transações econômicas: felizmente, João não precisa depender do escambo para adquirir e consumir bens. Ele usa o meio de troca que Joaquim e qualquer outro agente em um determinado mercado aceitam, por saberem que poderiam trocá-lo facilmente por outros bens depois. A transação feita com dinheiro é denominada de troca indireta.

Notas e moedas do Real Brasileiro. Foto: Vitoriano Junior / Shutterstock.com

Segundo o economista Friedrich Hayek, a moeda se estruturou como uma ordem espontânea: não houve nenhum planejamento central para que ela passasse a ser usada (não nasce porque um rei, presidente ou qualquer governo a idealizou), ela resulta de ações individuais, pela percepção dos agentes econômicos na utilidade de um meio universal de troca.

Além de meio de troca, a moeda é uma reserva de valor e uma unidade de conta. Reserva de valor é a função de preservar poder de compra no decorrer do tempo. Quando João troca café por moeda pode usar a mesma moeda para adquirir outros bens depois. Outras coisas podem ser usadas como reservas de valor, como ações e imóveis, mas não podem ser trocados universalmente igual as moedas podem. Como unidade de conta, a moeda serve para cotar as mercadorias, um referencial de troca. Se um lenço custa R$ 10,00, uma camisa R$20,00 e uma calça R$ 50,00, caso a unidade de conta fosse o lenço, poderíamos dizer que a camiseta custa dois lenços e a calça custa cinco lenços, mas a unidade de valor não é um lenço, e sim a moeda.

A transição do escambo para a moeda-mercadoria

No decorrer do desenvolvimento da moeda, diversos meios de pagamento foram usados em diferentes séculos e culturas. A moeda-mercadoria ou moeda-commodity era o dinheiro que tinha valor fora da função de meio de pagamento. Um exemplo disso foi o sal, e daí vem o termo “salário”, o dinheiro recebido como pagamento do trabalhador. Ou os metais preciosos prata e ouro, que também foram moedas-commodity.

A passagem do escambo para a moeda-mercadoria se dá quando os agentes de mercado percebem quais são os bens mais vendáveis e desejados. O economista Carl Menger mostrou que os bens mais vendáveis passaram a cada vez mais serem desejados pelos comerciantes, e quanto mais pessoas aceitavam esses bens em suas transações comerciais, mais vendáveis se tornavam. Alguns bens acabaram superando outros na aceitabilidade comercial, virando universalmente aceitos pelos vendedores de todos os outros bens. Foi assim que o dinheiro surgiu: como moeda-mercadoria.

Considere alguém que tem uma carroça para trocar por algo que precisa e alguém que possui sal. Sal é um bem de consumo indispensável, porque serve para temperar os mais diversos tipos de alimentos, e para, por exemplo, conservar carne. A carroça é importante, mas não é tão demandada como o sal. Deste modo, quem possui sal disponível para trocar no mercado terá mais facilidade para fazer negócios do que quem tem uma carroça.

Em uma economia de escambo, seria viável que o dono da carroça a trocasse por sacos de sal, porque depois ele teria mais facilidade de trocar o sal no mercado por outros bens, como tomates, feijão, roupas, e etc. Além de tudo, o sal não é perecível, de modo que os trocadores no mercado podem armazená-lo por um longo tempo sem a preocupação de que ele se estrague facilmente. Ou seja, podem acumular sal para trocar por mais e mais bens depois.

Assim, o sal torna-se uma moeda-mercadoria, que além de aceita, é fácil de transportar, dividir e pesar. É importante que a moeda seja simples de transportar, para viabilizar as transações no mercado, assim como simples de dividir, para que soubessem, por exemplo, quanto de sal em peso valiam os produtos que queriam adquirir. Os antigos romanos são um exemplo de pessoas que usaram sal como dinheiro.

A evolução do escambo ao comércio com dinheiro para fazer trocas comerciais possibilitou a especialização e a divisão do trabalho, aumentando a produtividade das pessoas. Um homem hábil na carpintaria pode passar o dia fazendo móveis para depois trocá-los por dinheiro e posteriormente usar o dinheiro para adquirir mais facilmente os outros bens que precisa, como arroz, galinhas, ou madeira para produzir mais móveis.

Concorrência entre moedas

Diferentes tipos de moeda-mercadoria competiram entre si no passado. O sal era uma moeda muito utilizada, mas possuía desvantagens: não poderia ser molhado e porções poderiam se perder facilmente. Em Roma, a elevação do nível do mar dificultou a obtenção do sal. Já o ouro, além de poder ser usado de modo decorativo ou joia, continuava apresentando superioridade como moeda: poderia ser dividido com vantagem de ser moldado em diversos formatos, como em barras ou moedas com diferentes pesos e denominações, não enferrujava, nem se sujava e diferente do sal, era resistente à água. O ouro também era raro o suficiente para ser valioso, embora abundante o suficiente para ter ampla circulação, e fácil de ser reconhecido, o que também possibilitava seu uso.

Do padrão-ouro ao dinheiro sem lastro

Por 600 anos, desde Constantino I, o Império Bizantino utilizava o padrão-ouro no mercado interno e internacional. O Bisante, sua moeda de ouro, manteve seu valor por esses seis séculos, de modo que a inflação se mantinha em níveis pífios e a economia prosperava; além de ser uma moeda utilizada em todo o Mediterrâneo e reconhecida em diversos cantos do mundo.

No ano de 1078, o imperador Nicéforo III Botaneiates decidiu reduzir a quantidade de ouro em cada moeda, aumentando o volume de dinheiro, com o objetivo de financiar uma guerra contra os turcos. A moeda se desvalorizou (e ele também perdeu a guerra). A inflação decorrente da política monetária de Nicéforo III trouxe o caos financeiro para Bizâncio, e há historiadores que apontam que o fim do Império Bizantino se deu pela tragédia financeira.

Mas a trágica inflação bizantina não aconteceu simplesmente pela redução de ouro nas moedas, e sim pelo propósito da redução: o aumento da oferta de moeda, que reduziu o seu valor. Embora a inflação seja mais rara no padrão-ouro, pode ocorrer independente da redução do metal precioso no dinheiro, quando sua oferta cresce a níveis dissonantes. Foi o que ocorreu com a Espanha em seu sistema econômico mercantilista.

No premiado documentário “A Ascensão do Dinheiro”, o historiador Niall Ferguson mostrou como ocorreu a desvalorização da moeda espanhola. No ano de 1532, os espanhóis chegaram à terra dos incas encabeçados por Francisco Pizarro. Eles passaram a dominar o Império Inca, e notaram algo curioso para seus padrões europeus: os incas usavam o trabalho como unidade de valor, os metais preciosos eram apreciados somente por suas qualidades estéticas. O ouro era o “suor do Sol”, e a prata era “as lágrimas da Lua”. Tal ideia era incompatível à política monetária espanhola, e já que eles dominaram os incas, passaram a explorar o povo para a obtenção de seus metais preciosos. Isso possibilitou que a Espanha expandisse seu volume de moeda, a inflação do dinheiro inevitavelmente aconteceu, com severos prejuízos ao sistema econômico espanhol.

Séculos depois, é a vez do dinheiro de papel lastreado em ouro aparecer. As unidades das cédulas eram apenas o peso de ouro a que correspondiam. “O dólar, por exemplo, foi definido como sendo 1/20 de uma onça de ouro, a libra esterlina como um pouco menos de 1/4 (exatamente 0,2435) de uma onça de ouro, e por aí vai. [...] Ou seja: os vários nomes das moedas eram meras definições de unidades de peso. [...] Um dólar – o nome dado a 1/20 de uma onça de ouro – e uma libra esterlina – o nome dado a 1/4 de uma onça de ouro – eram simplesmente o mesmo que 5/20 de uma onça de ouro”, explica o economista Murray N. Rothbard.

Enquanto o padrão-ouro clássico lastreava a moeda de papel, a economia americana crescia e os preços caíam. Em 1913 o Federal Reserve System (FED) foi criado, o Banco Central americano, aderindo às políticas que deram fim ao padrão-ouro clássico em 1914. O FED passou a proteger os bancos, que agora tinham mais condições para praticarem reservas fracionárias (uma forma de criação de dinheiro que apesar de legal é considerada por muitos economistas como fraudulenta), aumentando a oferta monetária de forma ampla na economia, que posteriormente provocou a Crise de 1920. Depois dela, a oferta monetária aumentou ainda mais, ocorrendo a Crise de 1929.

O presidente americano Franklin Roosevelt proibiu que os americanos resgatassem seus dólares para ouro em 1933. Possuir qualquer quantidade de ouro no país ou exterior também era proibido. Dólares só poderiam ser resgatados em ouro por bancos centrais e governos estrangeiros. O Dólar se desvalorizou, mas ainda manteve uma pequena ligação com o ouro. E em 1945 se tornou a moeda mundial padrão, através do Acordo de Bretton Woods. “Esse arranjo, ainda que tortuosamente, restringia um pouco o FED, pois se este saísse inflacionando o Dólar, os governos estrangeiros poderiam exercer seu direito de trocar dólares por ouro, fazendo com que houvesse uma enorme fuga de ouro dos EUA”, explica o economista Leandro Roque.

Mas posteriormente houve um grande volume de saída de ouro dos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon então tirou definitivamente o que ainda restava do padrão-ouro do Dólar, em 1971. Assim se estabeleceu o sistema de papel-moeda fiduciário como temos hoje. A decisão americana de solapar o padrão-ouro foi imitada por outros governos do mundo, inclusive pelo Brasil. O dinheiro é ofertado dependendo apenas das decisões governamentais de emitirem mais moedas ou menos, controlando a inflação que faz o poder de compra dos consumidores cair, e através de reservas fracionárias, sem nenhum lastro além da confiança dos governos. O economista Ludwig von Mises via o poder do governo para emitir moedas como uma ameaça à democracia.

Século XXI: O desenvolvimento das Criptomoedas

No dia 3 de janeiro de 2009 nascia oficialmente o Bitcoin, no ambiente digital, com a primeira transação de sua história transmitida por Satoshi Nakamoto. Não é coincidência que a criptomoeda tenha nascido em meio às consequências da Crise de 2008 e do sistema bancário de reservas fracionárias. Através de sua tecnologia Blockchain, possui uma delimitação matemática alusiva ao padrão-ouro: somente 21 milhões de moedas podem ser emitidas; os bitcoins não estão reféns da inflação e política monetária dos governos, não são emitidos por nenhum banco central. É também a volta da moeda-mercadoria. Outras criptomoedas foram desenvolvidas posteriormente, e há interesse de bancos centrais em desenvolverem criptomoedas estatais para competirem com as privadas.

Referências:

A Ascensão do Dinheiro. Produção: Melanie Fall. Direção: Adrian Pennick. Roteiro e narração: Niall Ferguson. Reino Unido e Irlanda do Norte. 2008. Episódio 1/6. (47min45s). Disponível em: . Acesso em 20 de março de 2019.

IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, tempo e conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 1ª edição, 2011, 125-130p.

MURPHY, Robert P. A origem do dinheiro e de seu valor. Disponível em: . Acesso em 13 de abril de 2019.

ROQUE, Leandro. Como funcionaria o padrão-ouro puro (parte 1). Disponível em: . Acesso em 13 de abril de 2019.

SCHIFF, Peter. O que é o dinheiro, como ele surge e como deve ser gerenciado. Disponível em: . Acesso em 13 de abril de 2019.

SHEDLOK, Mike Mishi. O problema com o sistema bancário de reservas fracionárias. Disponível em: . Acesso em 16 de fevereiro de 2019.

ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 1ª edição, 2014, 123p.

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