A morfologia estuda a estrutura e os processos de flexão e formação de palavras. Segundo as gramáticas, é tarefa da morfologia classificar os vocábulos, problema que necessita uma completa revisão, pois nunca houve soluções satisfatórias. Antes de tudo, deve-se respeitar a coerência estrutural que o próprio sistema lingüístico apresenta. Desta forma, toda a classificação deve obedecer a critérios estabelecidos e testados dentro desse sistema.
Ao propor a uniformidade do ensino de Língua Portuguesa, a NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira) ofereceu uma classificação que não obedece aos critérios coerentes do próprio sistema lingüístico. Apesar disso, adquirindo força de lei, a portaria que institui a NGB impediu, de certa forma, um questionamento sobre o assunto.
A NGB estabeleceu dez classes de palavras em português, a saber:
• Variáveis: Substantivo, adjetivo, artigo, numeral, pronome e verbo; • Invariáveis: Advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
Nessa classificação, a NGB foi incoerente, pois usou a expressão “classificação das palavras” quando deveria der dito “classificação dos vocábulos, já que ela inseriu o artigo e os conectivos (preposição e interjeição); criou uma classe para um só morfema (o artigo), deixando sem classificar inúmeros vocábulos e expressões sob o rótulo de “palavras denotativas”, como “eis, também, somente, inclusive”, dentre outras; considerou as interjeições como palavras, quando na verdade são frases de situação, como “Socorro, Valha-me Deus”.
Dentre essas grandes incoerências, a NGB ainda misturou critérios homogêneos, quando estabeleceu duas classes distintas para substantivos e adjetivos, que se opõem à dos pronomes que, como sabemos, podem também ser substantivos e adjetivos; ela interpretou o grau como “flexão”, o que teria sido suficiente para enquadrar os advérbios entre as palavras variáveis; criou também a classe dos numerais, como se eles fossem distintos dos substantivos e pronomes.
O principal problema da classificação vocabular é que ela não é o ramo específico da morfologia, que estuda o processo de formação e flexão das palavras, não de “classes”, apesar de serem estudadas dentro da morfologia. Se o vocábulo apresenta forma, função e sentido, é lógico que os critérios mórficos, sintáticos e semânticos se conflitam nessa tentativa de classificação. Contudo, não se pode confundir classe com função, como é o caso da NGB. O nome, o pronome e o verbo são classes. O substantivo, adjetivo e advérbio são funções. As classes são estudadas na morfologia. As funções são estudadas na sintaxe.
A diferença entre classe e função, linguisticamente falando, é que a “classe” é identificada por critérios mórficos e semânticos; a “função” possui natureza estritamente sintática e varia de acordo com o contexto. Assim sendo, o nome pode ter três funções básicas, substantivo, adjetivo ou advérbio, dependendo da posição que o vocábulo vai se encontrar dentro da sentença.
Desta forma, toda palavra será: - Um nome, se a representação for estática, sem variações temporais. - Um verbo, se sofrer variações temporais, ou seja, se expressar uma representação dinâmica ou indicar um processo da realidade, ou - Um pronome, se apenas situar uma representação no espaço/tempo.
Observe o enunciado: “Aquela menina caiu ali”. A única forma que sofrerá variações temporais é “caiu” (cairá, cai, caía, cairia). Trata-se, então, de um verbo. Já as palavras “menina” e “aquela” se nivelam, porque ambas podem sofrer as mesmas variações (aquelas meninas, aquele menino). Porém, enquanto “menina” representa uma imagem mental, “aquela” serve como um sinal, uma indicação. Por isso, “menina” e “aquela” são respectivamente nome e pronome. O vocábulo “ali” também faz uma indicação de espaço. Desta forma, também se enquadra na classe dos pronomes.
Sintetizando o problema da classificação dos vocábulos: • Do ponto de vista morfológico, é impossível explicar as classes gramaticais propostas pela NGB, pois seu critério de classificação é baseado somente na significação, o que se torna incoerente com a própria definição de classe. • Há duas classes fundamentais: nomes e verbos, opostas pelos paradigmas flexionais. Semanticamente, os nomes correspondem a uma visão estática da realidade enquanto os verbos traduzem representações dinâmicas. • Os pronomes se diferenciam dos nomes porque adotam um significado dêitico ou anafórico, ou seja, os nomes representam, os pronomes indicam. • Substantivos, adjetivos e advérbios não são classes gramaticais. São apenas funções que os nomes ou pronomes exercem em contextos frasais. • Numerais fazem parte da classe dos nomes e assim podem ser substantivos ou adjetivos. • Os artigos são pronomes, sempre em função adjetiva. • As interjeições não são palavras, porém frases de situação. • Os conectivos subordinam palavras (preposições) ou orações (conjunções). Podem também relacionar elementos da mesma função.
Fontes CAMARA JR., Joaquim Mattoso. A classificação dos vocábulos formais. In: Estrutura da Língua portuguesa. 32ed. Petrópolis, Vozes, 2000.
LEMOS, José Monteiro. Morfologia Portuguesa. 3ed. Campinas, Petrópolis, 1991.
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