O romance Iracema (1865) de José de Alencar representa o ponto mais alto da prosa romântica no conjunto de sua obra. Nela o autor aponta a cultura indígena como caminho para se construir uma autêntica literatura brasileira.
A expressão do nacionalismo de Alencar se dá, nesta obra, através da criação da heroína Iracema, “a virgem dos lábios de mel”, cujo enredo retorna ao que o próprio escritor denominou “a Lenda do Ceará” e “o nascimento do primeiro cearense”.
Nos séculos XVI e XVII, a idealização do indígena se dava sob vários aspectos. De um lado, os cronistas viam-no como figura exótica, de beleza afrodisíaca; pelos jesuítas, eram vistos como almas a serem salvas pelo catolicismo, que havia perdido fiéis para a Reforma Protestante. No século XVIII e início do século XIX, porém, a figura do índio passa a ser vista como o “bom selvagem”, sob influência do pensamento de Rousseau: o índio é bom por natureza, pois ainda não foi corrompido pela sociedade, que é má. Torna-se, então, símbolo do nativismo e da liberdade, num país recém proclamado independente.
Iracema é ambientado em terras brasileiras, com seu povo nativo, suas cores e sua cultura, representando o espírito nacionalista da obra. Enquanto estética romântica, idealiza a figura feminina, exalta a natureza, valoriza o amor e o patriotismo, numa linguagem que podemos chamar de “poesia em prosa”. Isso porque o mais importante na narrativa não é a sucessão dos fatos, mas a seleção dos vocábulos, a construção de imagens, as comparações, e principalmente o ritmo, determinante na construção da musicalidade. O poeta incorpora a visão de mundo dos indígenas que, ao expressarem seus sentimentos, o fazem através de imagens que já conhecem, ou seja, a própria natureza.
“Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade, depois que separaste dela”. (Iracema, p. 84)
A história de amor de Iracema e Martim Soares Moreno, contada em terceira pessoa, conduz à narrativa, que se passa nas matas do Ceará no século XVII. A índia é filha de Araquém, pajé da tribo dos tabajaras. Com sua virgindade, guarda o segredo da jurema, símbolo da fecundidade de sua tribo. Guarda também a “receita” de um licor misterioso e alucinante, usado em rituais religiosos. O próprio nome “Iracema” é um anagrama de América, levando-nos a crer que o romance mantém um diálogo com o contato entre os indígenas e o homem branco. Além disso, percebem-se grandes semelhanças entre o romance de Alencar e a história da colonização americana, que tem como pano de fundo o romance entre Pocahontas e o colonizador inglês John Smith.
Martim é o homem branco que vive num conflito interno, dividido entre viver em terra estrangeira ou retornar à pátria. Sua chegada à tribo dos tabajaras é que vai gerar o conflito na narrativa. Ele era o primeiro de muitos a “corromper” a cultura dos tabajaras e pitiguaras, com o que se chamou de “catequese, civilização e progresso”. Foi também o responsável pelos conflitos entre as tribos e por “roubar a filha de Tupã”, a guardiã da fertilidade da tribo tabajara. Dessa união, nasce Moacir, que significa “filho da dor”, fruto da miscigenação das raças.
O amor dos dois passa a esfriar, à medida que Martim, ao lado dos pitiguaras, trava novas lutas com sua tribo. Triste e enfraquecida, Iracema “murcha como uma flor arrancada do seu seio”:
“Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos braços de Martim. O terno esposo, em que o amor renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se rompera”. (Iracema, p. 95)
Com a morte de Iracema, Martim volta à sua terra com seu filho. Quatro anos depois, retorna ao Ceará para difundir a religião e se embeber da saudade de Iracema.
Nesta obra, Iracema e Poti representam a pureza do “bom selvagem” defendida por Rousseau: além de viverem nas florestas, eles mantém uma relação de perfeita comunhão com a natureza. Ambos de espírito virgem entregam-se totalmente a Martim, num amor profundo de esposa e irmão. Iracema renuncia ser filha de Tupã para entregar-lhe a vida. Poti renega a própria identidade, batizando-se e adotando um nome de um santo branco: Antônio Felipe Camarão. Tudo isso em nome de uma profunda amizade.
Fontes YAMASAKI, Sergio. (org). Iracema – José de Alencar. São Paulo, Gold Editora, 2004.
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