O Guarani

Publicado inicialmente em folhetins no Rio de Janeiro, “O Guarani” (1857) é um dos mais populares romances de José de Alencar, adaptado para minissérie na TV e filme, produzido por Norma Bengell e com um famoso elenco como Glória Pires, Márcio Garcia, dentre outros de grande popularidade na televisão brasileira.

Narrado em terceira pessoa, o romance ambienta-se nas florestas do interior do Rio de Janeiro, às margens do Paquequer, hoje localizada numa região não tão distante da cidade de Campos dos Goitacases. Este ambiente é descrito na linguagem poética e detalhada que é peculiar ao estilo de Alencar. A figura central é a do índio Peri, da tribo dos goitacases, fiel amigo do fidalgo português D. Antônio de Mariz e protetor incansável de sua filha Cecília.

D. Antônio instala-se num forte em meio à mata fechada, trazendo consigo sua família: D. Lauriana, sua esposa; D. Diogo e Cecília, filhos do casal; Isabel, filha do fidalgo com uma índia, mas oficialmente tida como sobrinha. Junto com a família encontra-se Álvaro de Sá, um jovem cavaleiro de confiança de D. Antônio, uma turma de homens que fazem a guarda da família e os empregados da casa.

A obra organiza-se em torno de alguns fatos essenciais à compreensão da narrativa: a devoção e fidelidade de Peri à Cecília; o amor não correspondido de Isabel por Álvaro e o amor deste por Cecília; a morte de uma índia aimoré, provocada acidentalmente por D. Diogo; a vingança dos aimorés, tribo antropófaga, que tenciona atacar o forte, fato simultâneo ao motim dos homens de D. Antônio, liderados por Loredano, um ex-frei ambicioso e devasso que pretende saquear a casa e raptar Cecília, a quem ardentemente desejava.

O plano de Loredano, no entanto, é descoberto e ele não consegue levar adiante seu intento sendo julgado e morto na fogueira. Com o ataque dos aimorés, todos se unem à volta de D. Antônio e se preparam para a defesa da casa e da própria vida.

O número de índios aimorés, entretanto, é muito grande e a morte é inevitável. Peri, desesperado para salvar a família, toma um veneno indígena e luta sozinho com os aimorés, matando vários deles para incitar-lhes a ira. Depois se entrega. Seu plano é extinguir completamente a nação aimoré, pois ele sabia que era costume desta tribo beber do sangue e comer da carne de um inimigo sacrificado, para assimilar, simbolicamente, todas as qualidades daquele guerreiro. Mas o plano de Peri é interrompido pelos homens de D. Antônio que, compadecido pelo sofrimento de Cecília em perder o amigo, ordena-lhes que salvem o índio da morte. Peri foge irritado para a floresta, à procura de um antídoto para o veneno.

Quando retorna, completamente curado, o índio depara-se com a seguinte situação: Isabel suicidara-se com pó de curare, presente de sua mãe, juntamente com Álvaro, que reconhece seu amor; D. Antônio está prestes a explodir a casa, para não cair nas mãos cruéis dos indígenas enfurecidos. Peri, desesperado com a possível morte de Cecília, propõe um plano para a fuga da família, mas D. Antônio recusa em nome da honra.

Em meio a tantos infortúnios, o fidalgo vê em Peri a possibilidade de salvação da filha: batiza-o e, sendo um cristão, passa a ser apto para fugir com a jovem e entregá-la nas mãos dos parentes que moram no Rio de Janeiro. Os dois partem e vêem, ao longe, a casa explodir. À Cecília só resta Peri.

Cecília insiste para que Peri venha morar com ela na cidade, ao lado de seus parentes. Mas ele recusa: não está disposto a abrir mão de servir Cecília, algo que será impossível no meio do homem branco, nem a servir de escravo ao homem civilizado. Sensibilizada por sua sinceridade, Cecília decide viver com ele na floresta. Durante dias eles rumam a um destino incerto e são surpreendidos por uma forte tempestade, que inunda o Rio Paraíba, transformando-se num dilúvio. Peri luta contra a própria natureza para desprender uma palmeira do solo, a fim de salvar Cecília. Abrigados no topo da palmeira, Cecília espera pela morte, mas o índio, confiante, conta-lhe a lenda de Tamandaré, segundo a qual ele e sua esposa salvaram-se de um dilúvio abrigando-se no topo duma palmeira desprendida da terra, alimentando-se dos frutos. Ao término da enchente, ambos desceram da palmeira e povoaram a terra.

O dilúvio foi uma forma de apagar o passado dos dois jovens, superando-se as relações de “escravo” e “senhora” existente entre ambos, bem como se superam as diferenças raciais e culturais. A água, símbolo de purificação e renovação, ao mesmo tempo em que desabriga o casal, iguala-os. Já não são mais o selvagem e o civilizado: são apenas homem e mulher, livres da convenção social, prontos para “habitar o paraíso americano” e viver a “vida natural” idealizada por Rousseau. Assim, supõe-se que, ao invés de morrer, o casal repetirá a lenda de Tamandaré.

FontesALENCAR, José de. O guarani. 10 ed. São Paulo, Ática, 1985.

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira em diálogo com outras literaturas. 3 ed. São Paulo, Atual editora, 2005, p.240-3.

TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 3 ed. São Paulo, Moderna, 1985, p. 65-6.

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