Um dos romances que rendeu popularidade ao escritor mineiro Bernardo Guimarães, “O Seminarista” (1872) surge um ano depois de uma forte campanha através dos jornais contra o episcopado no Rio de Janeiro, num episódio conhecido na nossa história como a “Questão Religiosa”.
Não que o romancista tenha aproveitado o ensejo para elaborar a obra. É que seu primeiro romance, “O Garimpeiro”, inspirou-se na descoberta do “Diamante do Sul”, livro cuja trama ambienta-se na zona diamantina. De qualquer maneira, tudo o que envolvia a Igreja nessa época despertava o interesse geral. Portanto, nada mais prático do que se utilizar desse recurso.
Alguns críticos vêem essa obra como um romance de tese, cujas intenções equiparam-se a “Eurico, o presbítero”, do escritor português Alexandre Herculano e a “O Crime do Padre Amaro", do também português Eça de Queiroz. Apesar de “O Seminarista” tocar no problema do celibato clerical, ele não pretende polemizar o assunto como nessas obras portuguesas. O caso de Eugênio e Margarida pode ser tomado sob outro aspecto, com boas e seguras razões para tal.
Esse romance está mais para um relato pastoral, uma história de amor iniciada na infância, em meio a um ambiente campestre onde os indícios da “desgraça”, prenunciados na aparição da serpente e somados à imposição dos pais, à educação, à formação no seminário, servem como sinal de desgraça futura.
Apenas por conta de algumas qualidades, como sua dedicação e zelo pelas coisas da Igreja, Eugênio passa a ser visto como “o escolhido” para o serviço do altar. Assim, os pais impõem ao rapaz o caminho sacerdotal, pois viam no filho padre um meio de subir na escala social; o serviço do altar era uma carreira até que brilhante ou pelo menos a garantia de um ganha-pão para o sustento da família. Eugênio deixa-se levar pela vontade alheia até o momento em que enfurecido por descobrir a mentira do pai – Margarida não se casou –e desesperado com a morte de Margarida, despoja-se das vestes sacerdotais, do ofício de padre e entrega-se à loucura.
O narrador desenvolve uma espécie de esquematismo na narrativa que vai, de alguma maneira, determinar o comportamento de Eugênio. Esse esquematismo instaura-se na divisão dos espaços abertos e fechados. Os fechados revelam um sentimento sufocante e deprimente em Eugênio, como a casa do pai, o seminário... É nos abertos, porém, em meio aos campos, às luzes da tarde e na escuridão da noite que o enredo revela seus melhores momentos.
Nos momentos finais, entretanto, esse esquematismo inverte-se: na cena do quarto de Margarida – o reencontro inesperado entre a amada enferma e o já padre Eugênio, cheio de boas lembranças e afagos; na cena de encomendação do corpo de uma mulher, que Eugênio reconhece ser Margarida – momento em que ele desiste do sacerdócio e foge para o espaço aberto, possesso de fúria e loucura.
Esse romance deve ser lido como uma pastoral, um idílio aonde as pequenas nuvens vão se aglomerando de tal maneira que provocam uma imensa tempestade, que se transforma em escuridão o que há pouco era um dia radiante. Segundo o crítico Hélio Lopes, o desfecho trágico dado por Bernardo Guimarães ao seu romance não é apenas uma simples imposição da estética romântica. Como romance de linha pastoril, “O Seminarista” encaixa-se perfeitamente dentro de boa tradição, já que os cantos de Tomás Antonio Gonzaga e de Cláudio Manuel da Costa também estavam cheios de lamentos de desgraça por suas histórias de amor impossível e não-correspondido.
Fontes LOPES, Hélio. Um retrato de gente simples. In: GUIMARÃES, Bernardo. O Seminarista. 23 ed. São Paulo, Ática, 1997, p. 03-06.
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