São Bernardo (1934) é uma obra-prima de Graciliano Ramos. Foi onde o escritor consolidou sua técnica, estilo e um significativo aprofundamento na “fusão” entre o social e o psicológico, a fim de criar uma obra de análise significativa das relações humanas.
Narrado em 1ª pessoa, o romance gira em torno do fazendeiro Paulo Honório que, vindo de uma família pobre ao extremo, enriquece ilicitamente, passando a viver à custa da desonestidade e exploração de seus empregados.
Paulo Honório conta inicialmente sua dura vida na condição de caixeiro viajante e de guia de cego. Como possuía “jeito” para negócios e aproveitando da vulnerabilidade de Luiz Padilha, um jogador irresponsável, compra a fazenda São Bernardo, onde já havia trabalhado antes. Para atingir seus objetivos capitalistas, elimina todos os obstáculos que se posicionam à sua frente, inclusive pessoas. Astucioso e desonesto, o protagonista olha o mundo visando apenas o lucro que lhe possam trazer.
Aos 45 anos, conhece Madalena, uma professora boa, compassiva, que vivia com uma tia velha, com quem se casa não por amor, mas com o único e exclusivo intuito de garantir um herdeiro para São Bernardo. Ela é a única pessoa que Paulo Honório não consegue transformar em objeto de seus negócios. O conflito entre os dois se inicia quando Madalena passa a questionar a condição de miséria dos empregados da fazenda, despertando nele uma raiva profunda e ciúme doentio e, simultaneamente, uma confusão mental e incompreensão o atormenta. Mesmo com o nascimento do filho, as discussões se intensificam. Apenas uma coisa ele compreende: ambos pertencem a mundos diferentes.
A vida angustiada de Madalena, devido ao ciúme exagerado e o despotismo do protagonista desesperam-na de tal maneira que ela comete suicídio. Aos poucos, todas as pessoas da propriedade passam a ir embora, levando São Bernardo à ruína, pela mesma maneira agressiva com que se originou. Sozinho, vendo tudo acabado, Paulo Honório procura escrever, na solidão, a história de sua vida, numa tentativa de compreender não apenas os fatos de sua vida, mas também sua própria esposa e sua maneira de ver o mundo. Daí nasce o romance “São Bernardo”. Uma retrospectiva da vida de Paulo Honório.
A narrativa avança na medida em que o protagonista tem consciência do estado desanimador de sua existência: “Cinqüenta anos! (...) Não é bom vir o diabo e carregar tudo?”
O livro impressiona pela construção pelo avesso. Madalena, capaz de “domar a escrita, de apreciar um livro, de buscar a justiça, de respeitar o outro”, conforme Beatriz Resende na Folha de São Paulo, é incapaz de ser amada pelo marido ou pelo filho. Sua voz é abafada e incompreendida por um “marido cego, incapaz de vislumbrar ternuras”, um bruto, cuja linguagem é seca e cortante. Sua narrativa faz um balanço trágico de um homem perdido e consumido pela ideologia capitalista da competição, ganância e acúmulo de riqueza, acabando por desumanizar-se para viver.
Fontes CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira em diálogo com outras literaturas. 3 ed. São Paulo, Atual editora, 2005, p.450-3.
TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 3ed. São Paulo, Moderna, 1985, p. 154-6.
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