A palavra matriarcado deriva da junção das palavras mater, do latim mãe, e arché ou arqué, do grego, que é o princípio de comando capaz de gerar dinâmicas, podendo ser traduzindo também como princípios de poder. O matriarcalismo se define como um coletivo das práticas do matriarcado. E este, por sua vez, pode ser definido como sociedades em que o poder é ginecocrático, ou seja, é exercido por pessoas do sexo feminino, sendo mulheres. Este modelo não necessariamente é o oposto exato do patriarcalismo.
O matriarcalismo ou o matriarcado se baseia em práticas sociais e culturais que dão centralidade a ação e poder para as mulheres, de forma que as mesmas tem preponderância em decisões e não são consideradas inferiores. Existem sociedades que praticam espécies de matriarcalismo, porém é uma estratégia cultural de menor acontecimento na história da humanidade, sendo raros os povos que as apresentam.
Ao se referir ao matriarcalismo é comum que surjam memórias das Amazonas ou da comunidade Moshuo, no sul da China.
“O segundo exemplo são as Amazonas gregas. Segundo Carreiras, (1997, p. 12), elas constituem provavelmente o mais conhecido arquétipo das mulheres guerreiras. Vários são os relatos gregos e até mesmo de romanos a respeito deste mito, e inclusive “o pai da História”, Heródoto, no século V a.C., narrou o mito dessa tribo guerreira da região do Cáucaso, afirmando que elas eram ferozes e convidavam seus vizinhos, os gargarenos, uma vez por ano para terem relações sexuais com o objetivo de engravidarem. Caso nascessem meninas, elas seriam criadas pelas Amazonas. A explicação mitológica afirma que as Amazonas chegavam a decepar um seio para tornar mais fácil o uso do arco. O seu próprio nome significa “sem seio”. Elas representavam o oposto do arquétipo feminino na Grécia, pois não se casavam e controlavam a sua reprodução. O casamento naquela sociedade seria o mesmo que passar a existir socialmente, assim, as Amazonas acabavam se tornando párias da sociedade, vivendo nos limites das fronteiras.” (TARDIN & BARRETO, 2017, p. 88).
Sobre as lendas das Amazonas brasileiras:
“O termo indígena para as mulheres que guerreavam é Icamiabas, que significa "mulheres sem maridos". Segundo a lenda, tais mulheres viviam isoladas e anualmente permitiam o contato com os homens, com o objetivo de procriarem. Elas criariam somente as meninas, para que se mantivesse uma sociedade estritamente matriarcal. Tais relatos possuem uma interessante paridade com as Amazonas gregas.” (TARDIN & BARRETO, 2017, p. 89).
A sociedade Moshuo, da China, possui outras características por não se tratar de uma sociedade extinta que transita entre a história e a mitologia, sendo uma sociedade atual e que convive com o mundo contemporâneo. Essa sociedade não se caracteriza por ser guerreira, como as amazonas costumam ser referenciadas, mas por possuir uma característica matriarcal, devido a proeminência das mulheres na sociedade, sua posição de poder e suas práticas culturais diferenciadas. Porém, a sociedade Moshuo não é o oposto do patriarcalismo e sim, uma outra estratégia cultural em que ambos os sexos tem importância e poder. Quando se coloca a questão do matriarcado, é necessário entender que a dimensão de poder, opressão e obediência estarão presentes, do contrário estaríamos falando de outros modelos culturais. A ideia de um matriarcado, ao se olhar para a etnologia e história humana, se refere a sociedades em que o poder gira em torno do sexo feminino. Isto ocorre na sociedade Moshuo, porém com ressalvas, já que as decisões importantes da família e o poder central da cidade são feitos por homens. Porém, há posições de poder e de decisão muito importantes, além da própria forma em que vivem, relacionado a liberdades das mulheres, a construção de casas por matriarcas e as decisões de trabalho.
“O mais comum entre eles é a definição de Max Weber, que conceitua o poder como a capacidade de controlar indivíduos, eventos e recursos [...]” (JOHNSON, 1997, p. 177).
Assim, ao falar de matriarcado tem-se necessariamente que se discutir como o poder é construído na sociedade, porém, há que se respeitar as formas culturais de cada povo. Assim, o matriarcado pode envolver uma divisão de poderes com maior ou menos opressão dos homens dependendo da estratégia cultural. Assim, não é porque em uma sociedade há liberdade para as mulheres e possibilidade de fazer decisões não centrais que se caracteriza como sociedade matriarcal. A sociedade matriarcal tem o poder relacionado às mulheres para decisões da própria sociedade para além do âmbito doméstico, daí a necessidade de estudos atentos à sociedade moshuo. Assim, também não se deve confundir o matriarcado com a matrilinearidade, matrifocalidade e matrilocalidade.
“Cabe notar que embora as mulheres sejam as figuras de autoridade nas famílias de pais solteiro que estão aumentando rapidamente em número em algumas sociedades industriais, ninguém considera essas famílias como matriarcais. Para que o fossem, precisariam de apoio de uma cultura que definisse o domínio das mulheres como desejável e legitimo, mesmo que um homem se tornasse membro do lar. O domínio feminino dessas famílias é, em suma, principalmente uma questão de domínio por omissão, e não por intenção social, desde que elas existam em patriarquias, onde o domínio do homem e a sujeição das mulheres constituem a regra.” (JOHNSON, 1997, p. 141).
Existe um erro comum que se percebe ao se falar da trajetória do matriarcado na história da humanidade relacionada aos estudos de Bachofen, localizados no século XIX. Seus estudos foram desenvolvidos pelos antropólogos evolucionistas como base para a construção de teorias discriminatórias em relação às mulheres. Bachofen, ao encontrarem as imagens das Vénus de Willendorf, interpretou que as sociedades primitivas humanas seriam matriarcais e posteriormente se tornariam patriarcais, com base no fato de existirem adorações a feminilidade. Atualmente, percebe-se que não há evidências arqueológicas que suportam as afirmações de Bachofen.
Assim, o matriarcalismo pode ser entendido como uma estratégia cultural pouco disseminada na história humana em que as mulheres tem maior centralidade de poder, de decisão sobre a comunidade, recursos, casas, trabalhos e outros.
REFERÊNCIAS:
ESTEVES, Renata. Existem Sociedades Matriarcais? 2018. (24m12s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a7N9zzAF-gA.
Gauthier, Jacques. "Ricardo Coler (2008), o reino das mulheres: O ultimo matriarcado, Sao Paulo, Brasil, Planeta." Signos Lingüísticos, no. 9, 2009, p. 133+. Gale OneFile: Informe Académico, Accessed 15 Oct. 2019.
JOHNSON, A.G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
LIMA, Savio Queiroz. A História Oculta das Mulheres-Maravilha de Bana-Mighdall: Um estudo de África e Gênero. XXVIII Simpósio Nacional de Hisória, Florianópolis, v. 31, julho de 2015. Disponível em: http://snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1424333597_ARQUIVO_MulheresMaravilhaBana.pdf
TARDIN, Elaine Borges; BARRETO, Luís Otávio de A. Mulheres guerreiras: entre a história e a mitologia. Revista Transformar, v. 10, p. 85-102, 2017. Disponível em: http://www.fsj.edu.br/transformar/index.php/transformar/article/viewFile/94/90
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/sociologia/matriarcalismo/
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