Segundo o modelo literário do crítico francês Gérard Genette, existe um tipo de narrador chamado de autodiegético que, para o ensaísta e professor português Carlos Reis, é a definição de “a entidade responsável por uma situação ou atitude narrativa específica: aquela em que o narrador da história relata as suas próprias experiências como personagem central da história”.
É aquele que narra uma ação que gira em torno de si próprio. Assim, ele acumula todos os detalhes vividos por ele, o protagonista, e todas as suas experiências.
Em linhas gerais, o narrador autodiegético é aquele que conta sua própria história, de acordo com seu ponto de vista.
Nos estudos de Norman Friedman, há a identificação deste narrador como “narrador protagonista”. A escritora e professora Ligia Chiappini Moraes Leite, em O Foco Narrativo (1985), explica um pouco mais sobre este tipo de narrador falando sobre suas características.
Chiappini explica que, como esse personagem não tem acesso aos estados mentais dos demais personagens, ele acaba narrando toda a história de um centro fixo, limitado. Trazendo o leitor para entender seus sentimentos e pensamentos. Ela dá ainda o exemplo do ponto de vista de Riobaldo, narrador e personagem central do livro Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967):
“Sapateei, então me assustando de que nem gota de nada sucedia, e a hora em vão passava. Então, ele não queria existir? Existisse. Viesse! Chegasse, para o desenlace desse passo. Digo direi, de verdade: eu estava bêbado de meu. Ah, esta vida, às não-vezes, é terrível bonita, horrorosamente, esta vida é grande. Remordi o ar:
— "Lúcifer! Lúcifer!..." — aí eu bramei, desengulindo. (...) Voz minha se estragasse, em mim tudo era cordas e 45 cobras. E foi aí. Foi. Ele não existe, e não apareceu nem respondeu — que é um falso imaginado. (...) Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas!”
Pode-se então notar que, até na descrição dessa famosa cena do pacto com o diabo, como o fato é contado a partir do ponto de vista do narrador, o próprio leitor acaba descobrindo no fim tudo o que o próprio Riobaldo descobre (ou tenta descobrir).
Em O Nosso Reino (2004), do escritor pós-moderno Valter Hugo Mãe, é possível identificar o narrador autodiegético. O personagem Benjamin configura esse exemplo, onde ele, como narrador protagonista, narra a história com percepções únicas e exclusivas de sua própria vivência e pensamentos.
Veja um exemplo:
“A minha mãe chorava no interior dos quartos, a guardar os meus irmãos em cobertores como se estivesse frio, e o uivo dos cães do avô, recolhidos na cozinha, entoava pelos corredores a parecer vozes dessa gente aflita. As portas fechavam-se para que se detivessem, mas os animais sabiam, pensava eu, e por isso traziam o aviso. Ele passou muito lento por sobre nós, ouvíamolo pairar, as vestes fustigadas pelas chuvas e um lamento gutural a sair-lhe da boca, estava como enrolado de ventos em tarefas cansativas. A minha mão jurou que não o viu, mas eu sabia que era só para que não tivéssemos medo quando ele viesse por nós.”
Percebe-se, então, que toda a narrativa gira em torno da percepção do personagem central e, neste caso, também narrador. Ele não só apresenta ao leitor as figuras, mas também os diversos ambientes, mergulhados em fantasias.
Entende-se que quem narra, narra aquilo que viveu, mas também aquilo que pensou, sonhou e imaginou naquele momento, por vezes fugindo da realidade. Contudo, essas são as características da condição humana, onde algumas vezes, alteramos a realidade e a adaptamos para o nosso conveniente.
Referências:
https://www.ufjf.br/facom/files/2013/03/R10-04-LuisMiguel.pdf
https://periodicos.ufpe.br/revistas/pedaletra/article/viewFile/231835/26016
Livro O Foco Narrativo, de Ligia Chiappini Moraes Leite.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/literatura/narrador-autodiegetico/
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