Acidificação oceânica

Os oceanos cobrem ¾ da superfície terrestre e desempenham um papel decisivo em diversos processos climáticos globais. A manutenção da temperatura do planeta, por exemplo, é um dos principais fenômenos ligados à este ecossistema, responsável por absorver o gás carbônico da atmosfera, transferindo-o para o fundo oceânico. Entretanto, o desequilíbrio no sistema ar x oceano causado pela emissão excessiva de CO2 na atmosfera, vêm provocando alterações no pH dos oceanos, gerando graves consequências para a flora e fauna aquática. Tal fenômeno, denominado acidificação oceânica, consiste na redução do pH, que, entre outras consequências, altera a profundidade de compensação do carbonato de cálcio, substância utilizada na confecção do esqueleto e conchas de diversos representantes da fauna marinha.

A captura de CO2 pelos oceanos

Aproximadamente 1/3 de todo o gás carbônico presente na atmosfera é absorvido pelos oceanos. No meio aquático, esta molécula passa por uma série de transformações químicas, e seus elementos recombinam-se dando origem à novos compostos: primeiramente, o gás carbônico se mistura com a água, produzindo CO2 aquoso e ácido carbônico (H2CO3). Este composto, classificado como um ácido fraco, rapidamente se dissocia produzindo íons bicarbonato (HCO3-) e H+, que reagem com outras moléculas presentes no meio aquático. Os íons bicarbonato também podem sofrer reações químicas, transformando-se em íons carbonato (CO32-), liberando hidrogênio na coluna d’água (H+). Desta forma, a formação de ácido carbônico e seus compostos subsequentes contribui intensamente para a diminuição do pH nos oceanos, conferindo acidez ao meio. Entretanto, este processo não costuma ocorrer por completo nos oceanos, que apresenta mecanismos para evitar a redução drástica do pH; a tendência à formação de um estado de equilíbrio dificulta a transformação dos íons bicarbonato (HCO3-) em carbonato (CO32-), limitando a quantidade de íons H+ liberados na coluna d’água. Além disso, o excesso de íons H+ em meio aquoso também pode deslocar a reação química no sentido oposto, fazendo com que estes íons se liguem à moléculas de carbonato disponível (CO32-), a fim de retomar o equilíbrio do meio.

A soma total entre as concentrações de CO2 aquoso, bicarbonato (HCO3-) e carbonato (CO32-), representam o total de carbono inorgânico dissolvido nos oceanos. No entanto, estas formas se alternam entre mais ou menos dominantes, de acordo com o pH da água. Atualmente, 90% do carbono dissolvido nos mares é representado pela forma de bicarbonato (HCO3-), e o pH oceânico gira em torno de 8,1; o carbonato representa a segunda forma mais disponível no meio marinho (10%), enquanto o CO2 aquoso, combinado ao ácido carbônico (H2CO3), representa menos de 1% do carbono inorgânico dissolvido nos oceanos. Entretanto, a contínua adição de CO2 à coluna d’água têm levado ao decréscimo do pH, afetando o equilíbrio entre as formas carbônicas: o CO2 aquoso e o bicarbonato (HCO3-) provavelmente aumentarão em concentração, ao passo que os níveis de carbonato (CO32-) decairiam devido à sua ligação com os íons H+ em excesso. Tais alterações representam a principal evidência da influência humana sobre a acidificação oceânica, desencadeada pelo aumento nas emissões de CO2.

O excesso de CO2 e a acidificação oceânica

Indústrias lançam milhões de toneladas de poluentes na atmosfera todos os anos. Foto: Tatiana Grozetskaya / Shutterstock.com

A acidificação dos oceanos tem como marco inicial a Revolução Industrial: de lá para cá, os mares tornaram-se 30% mais ácidos, fenômeno que não é registrado há pelo menos 40 milhões de anos. Desde o início da Era Industrial, os oceanos absorveram cerca de 525 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera, resultando em uma taxa de 22 milhões de toneladas por dia. O excesso de CO2 produzido pela queima de combustíveis fósseis, óleo e gás, têm gerado consequências que afetam o clima através de alterações na atmosfera (ex.: poluição do ar, efeito estufa) e nos oceanos (ex.: acidificação). Registros apontam uma queda do pH marinho de 8,2 para 8,1 desde o início da Revolução Industrial, decréscimo que pode aumentar em até 0,4 unidades de pH até o final do século. Embora estes valores não pareçam significativos, é importante lembrar que o pH é medido em escala logarítmica, ou seja, seu efeito é multiplicado por 10 a cada unidade (ex.: pH=5 é dez vezes mais ácido que pH=6, e cem vezes mais ácido que pH=7). Assim, a redução do pH para valores em torno de 7,7 representaria uma água até 120% mais ácida. Isto, por sua vez, geraria graves consequências para os ecossistemas marinhos, e para os bilhões de pessoas que dependem do oceano para garantir sua sobrevivência.

Principais impactos

A mudança abrupta do pH oceânico gera intensos impactos para a fauna e flora marinhas. Um dos efeitos mais alarmantes associados à este fenômeno consiste na mudança de profundidade da camada lisoclina. Esta camada corresponde à profundidade oceânica em que ocorre a compensação do carbonato, ou seja, a profundidade a partir da qual o carbonato (CO32-) se dissolve na coluna d’água, tornando impossível a manutenção de estruturas formadas por este composto (ex.: conchas e esqueletos).

Em geral, a lisoclina situa-se a 4 km de profundidade, porém oscila de acordo com as variações de pressão, temperatura e a acidez do meio aquático. Em relação ao pH, quanto maior a concentração de CO2 (meio mais ácido), menor é a estabilidade do carbonato (CO32-), dificultando sua ligação com outros elementos químicos como o cálcio. Isto ocorre porque o carbonato (CO32-) apresenta maior afinidade química com os íons H+ do que com o cálcio (Ca); assim, em meio ácido (com alta disponibilidade de H+), o carbonato (CO32-) tende a se dissociar do cálcio (Ca) para se ligar ao hidrogênio (H+), de forma a neutralizar os íons H+, equilibrando o pH do meio. Desta forma, o excesso de CO2 no meio aquático provoca a redução na profundidade da lisoclina (iesta camada move-se para profundidades mais rasas), resultando na supressão de habitat para vários organismos cuja composição corporal depende do carbonato de cálcio. Estruturas como conchas e esqueletos de animais marinhos (ex.: moluscos, organismos zooplanctônicos e fitoplanctônicos, algas coralíneas) já estão se dissolvendo devido à mudança de profundidade da lisoclina; a acidificação oceânica também tem causado a corrosão de recifes de corais já existentes, além de limitar a construção de recifes novos. Alterações comportamentais também podem constituir uma das consequências da acidificação para os organismos marinhos. Reduções no crescimento, atrasos na maturação sexual, empobrecimento de sentidos como audição, visão e equilíbrio, entre outros, são alguns dos processos que podem ser afetados pelo uso da energia metabólica para a manutenção de um pH corporal equilibrado, a fim de evitar a acidose (ex.: peixes).

Recifes de corais. Foto: Andrey_Kuzmin / Shutterstock.com

Em resumo, a acidificação oceânica provoca a perda de biodiversidade, afetando diversos grupos animais, e impacta a produção alimentícia associada ao pescado e a aquicultura. Desta forma, este fenômeno climático ameaça a seguridade alimentar de milhões de pessoas, impactando também possíveis ganhos com a indústria do turismo e outras atividades relacionadas ao meio marítimo.

Referências bibliográficas:

Biologia Marinha. Pereira, R. C., & Soares-Gomes, A. (2002).

Rio de Janeiro: Interciência, 2, 608.

Ocean Portal – Find Your Blue. Smithsonian National Museum of Natural History. http://ocean.si.edu/ocean-acidification

National Geographic: Ocean Acidification. http://www.nationalgeographic.com/environment/oceans/critical-issues-ocean-acidification/

The Nature Education: Knowledge Project. https://www.nature.com/scitable/knowledge/library/ocean-acidification-25822734

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