A deslexicalização designa o processo em que determinado vocábulo se desintegra do léxico, algo evidenciado pelo prefixo de origem latina “des”, que indica uma ação contrária. Castilho (2010, p. 117) define esse fenômeno como a morte das palavras. Observe a ocorrência da deslexicalização neste fragmento de Antigamente, escrito por Carlos Drummond de Andrade:
[...] Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam de andar de aeroplano; os quais de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
O fragmento acima compõe a crônica que, como o próprio título sugere, relata costumes de antigamente, por meio do emprego de vocábulos que remetem à época. Fazer quilo significava fazer a digestão. Vale destacar que existem pessoas idosas que utilizam essa palavra. Nesse sentido, a expressão citada faz parte do léxico de um grupo restrito de falantes. São interessantes, também, as maneiras com que nomeavam o “cinema”: animatógrafo e cinematógrafo. O vocábulo aeroplano ainda é utilizado, embora seja significativamente mais comum, dizer “avião”. Pode-se afirmar que as formas para designarem o “cinema”, especialmente, não integram mais o léxico do português. O fato de a língua estar em constante transformação pode fazer com que palavras, relativas a determinado período de nossa história, deixem de existir nas gerações posteriores.
Observe, agora, estas sentenças:
O que achou? Essas sentenças lhe são familiares? Você as utiliza em seu cotidiano? Certamente, não... Expressões como “broto” e “papo firme” difundiram-se na década de 60 pelo movimento musical “Jovem Guarda”. Décadas depois, é improvável imaginar uma moça se referir a um rapaz como “broto” ou alguém dizer que determinada pessoa é “papo firme”. Os referidos termos, logicamente, estão eternizados em canções de Roberto Carlos, por exemplo. Porém, não são mais de uso corrente em nosso país. Já a forma “Vossa Mercê” já caiu em desuso há muito tempo, sendo substituída por “você”, que se segmenta em “cê” em situações de comunicação informal.
Há, também, a deslexicalização de termos que nomeiam objetos tecnológicos que não são mais utilizados, visto que foram substituídos por equipamentos mais modernos. A título de exemplificação, havia o “disquete” que as pessoas usavam para salvar arquivos e que, já alguns anos, foi substituído pelo pen-drive. O termo toca-fitas, também, praticamente foi deslexicalizado, a partir do momento em que já não faz mais parte do cotidiano de muitos indivíduos. Esses foram apenas alguns exemplos, uma vez que existem diferentes nomeações concernentes a objetos que não são mais utilizados. Assim, os termos que os designam deixam de existir. Em suma, o processo de deslexicalização faz parte de qualquer língua, uma vez que ela está em constante transformação. Nesse contexto, algumas palavras desaparecem ou são reinventadas sob outras maneiras.
Referências: ANDRADE, Carlos Drummond de. Antigamente. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1988.
PERINI, Mário. A língua do Brasil amanhã (Falaremos portunhol?). In: ___ A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola Editorial, 2004, p.11-24.
CASTILHO, Ataliba T. de. Deslexicalização. In: ___ Nova Gramática do português brasileiro: tradição e ruptura. São Paulo: Contexto, 2010, p.117-121.
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