Essencial para a vida na Terra, o oxigênio desempenha um papel fundamental nos oceanos e mares, regulando a distribuição dos organismos marinhos e a estrutura das comunidades costeiras e oceânicas. As variações deste gás ao longo de milhares de quilômetros criaram um mosaico nos oceanos, com áreas produtivas extremamente ricas em O2, e zonas hipóxicas ou “mortas” (em inglês, dead zones), que apresentam baixas concentrações de oxigênio, limitantes para o sustento das formas de vida. Estas áreas, antes confinadas à regiões particulares do globo, encontram-se em expansão devido à dois fenômenos de origem antrópica: a poluição e o aquecimento global.
Primordial para o desenvolvimento dos seres vivos e a manutenção da biocenose, o oxigênio representa um dos mais importantes componentes dos ecossistemas marinhos. As variações deste gás e os níveis de tolerância das espécies atuam sinergicamente, moldando a estrutura das comunidades marinhas: animais como as águas-vivas e lulas, por exemplo, são altamente tolerantes à baixas concentrações de O2, sobrevivendo mesmo em regiões pobres neste gás, enquanto outros grupos como peixes e crustáceos necessitam de maiores níveis de O2 para assegurar sua sobrevivência. As oscilações de oxigênio no ambiente marinho também podem provocar mudanças comportamentais nas espécies, desregulando, por exemplo, o crescimento e a maturação sexual dos organismos. Tais mudanças a nível específico podem, por sua vez, impactar toda a comunidade biótica, gerando consequências como a redução da resiliência, estabilidade e resistência do ecossistema à estressores ambientais naturais, como tempestades e tornados, e antrópicos, como a sobrepesca e a poluição. Desta forma, a oxigenação dos ambientes marinhos constitui um componente essencial para a manutenção da biodiversidade e saúde oceânicas.
A hipóxia oceânica é um fenômeno natural que ocorre em vários ambientes marinhos como fiordes, zonas abissais, certas regiões do mar aberto e, por fim, zonas de oxigênio mínimo associadas ao afloramento de correntes marítimas na porção leste das bacias oceânicas. Tais correntes sustentam uma alta diversidade de espécies marinhas, elevando a produtividade e o potencial pesqueiro destas regiões, porém, embaixo das águas superficiais produtivas, entre 100-1.000 metros de profundidade, encontra-se uma camada de água extremamente pobre em oxigênio, dando origem à zona de oxigênio mínimo (ZOM).
Estas zonas são formadas a partir da combinação entre dois processos: a alta demanda de oxigênio (uso intenso pelos organismos) e o reabastecimento limitado de O2. Entre os fatores ambientais que podem influenciar a formação das zonas hipóxicas, pode-se citar a descarga de água doce e nutrientes provenientes de rios, a eutrofização e a elevada decomposição de matéria orgânica por bactérias presentes no sedimento marinho; além disso, a depleção de oxigênio também pode estar associada à estratificação da coluna d’água. Em geral, zonas hipóxicas apresentam uma redução entre 70-90% dos níveis de O2 registrados na superfície da água; nas zonas anóxicas essa porcentagem aumenta para 98%. Águas pobres em oxigênio também são caracterizadas por uma queda do pH (acidez), gerando um maior gasto energético para os organismos que precisam manter o equilíbrio homeostático (ácido-base); assim, as zonas hipóxicas também interferem no metabolismo das espécies, limitando seu crescimento.
As zonas hipóxicas e anóxicas constituem um fenômeno intermitente ao longo da evolução geológica, e estão presentes em várias partes do globo, caracterizando-se pela recente expansão em número, volume e intensidade. Atualmente, estima-se que as ZOM representem 8% da área total oceânica, e seu crescimento está atrelado à poluição, principalmente em áreas rasas e estuarinas, e às mudanças climáticas globais.
Conforme citado anteriormente, um dos fatores que pode desencadear a hipóxia em áreas marinhas é a eutrofização. Embora este seja um processo substancialmente natural, o aporte excessivo de nutrientes resultantes de atividades antrópicas (ex.: despejo de efluentes industriais e domésticos; resíduos agrícolas) pode acelerar a eutrofização do meio aquático, reduzindo a concentração de O2 além dos níveis habituais, prejudicando a fauna e flora.
Este fenômeno tem se tornado cada vez mais frequente ao longo das últimas décadas, provocando um aumento drástico na formação de zonas hipóxicas e anóxicas; atualmente, há registro de pelo menos 500 “zonas mortas” cobrindo 250 mil km2 dos oceanos, número que vem dobrando a cada década, desde os anos 1960. Entre os casos mais famosos, pode-se citar a zona morta presente no Golfo do México: com área total de 17 mil km2, esta região apresenta concentração de oxigênio dissolvido inferior a 2 mg/L, resultante do aporte de poluentes que desencadeou o crescimento desenfreado de certas espécies de algas; estas, por sua vez, afundam na coluna d’água, afetando o oxigênio disponível durante seu processo de decomposição microbiana.
Embora a formação de zonas hipóxicas seja um processo natural nos oceanos, evidências recentes apontam que o aquecimento global pode elevar em número, tamanho e intensidade, a criação de tais zonas. Isto acontece porque o aumento da temperatura reduz a solubilidade do oxigênio na água, limitando sua disponibilidade para os organismos aquáticos. Além disso, a água aquecida se expande, tornando-se mais leve, o que pode dificultar a circulação de oxigênio entre as camadas d’água oceânicas, reduzindo o transporte de O2 atmosférico (captado na superfície marinha) para regiões mais profundas. Este fenômeno tem sido documentado por vários estudos científicos, que encontram correlações cada vez mais fortes entre a expansão vertical e horizontal de zonas hipóxicas e anóxicas nos oceanos, e o aumento da temperatura global. Isto, por sua vez, resulta na perda de habitat por organismos sensíveis à baixas concentrações de O2, promovendo a criação de barreiras e a fragmentação de habitat nos oceanos (compressão global de habitats).
A desoxigenação oceânica tem entre seus principais impactos a mortalidade em massa de peixes e outros animais bentônicos, impactando a produção e geração de lucro da indústria pesqueira; mudanças na composição e distribuição de espécies ao redor do globo; alterações na cadeia trófica marinha; o decréscimo da riqueza e biodiversidade; e o aumento na ocorrência de florações de algas nocivas à saúde humana e dos oceanos. O bacalhau do Pacífico é uma das espécies que vem alterando sua faixa de distribuição ao longo da plataforma continental japonesa, emergindo para águas mais rasas devido ao empobrecimento de O2 em regiões mais profundas da coluna d’água. No oceano Atlântico, ao longo dos trópicos, espécies como o atum e o marlim-azul registraram uma redução de 15% em seu habitat vertical entre os anos de 1960-2010, supressão relacionada às zonas de oxigênio mínimo.
Referências bibliográficas:
GIZMODO Brasil. http://gizmodo.uol.com.br/niveis-oxigenio-oceanos/
Gulf of Mexico Hypoxia. https://gulfhypoxia.net/about-hypoxia/.
Ocean Scientists for Informed Policy. http://www.oceanscientists.org/index.php/topics/ocean-deoxygenation
United Nations Development Programme. http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/environment-energy/water_governance/ocean_and_coastalareagovernance/issue-brief---ocean-hypoxia--dead-zones-.html
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