A gramaticalização, como o próprio sufixo designador de “ação” sugere, é um dos processos de formação de elementos linguísticos, mais precisamente o processo de criação das formas gramaticais. (FORTUNATO, s/d, p.8). No geral, o processo supracitado tem motivação intralinguística, isto é, os elementos criados ou recriados não remetem a um conceito fora da língua, mas servem para estabelecer relações sintáticas na sentença. Daí dizer que se trata de formas de cunho gramatical. Observe esta sentença:
Este carro, Leonardo pretende comprar no próximo ano.
Declara-se que Leonardo tem a pretensão de comprar um carro. Portanto, “Leonardo” é o “sujeito” da oração, ou seja, o ser sobre o qual se revela algo. O que é dito sobre ele compõe o “predicado”. A sequência da sentença foi assim elaborada:
Objeto a ser comprado + Sujeito + Locução verbal + indicação temporal da ação
No que tange à gramática, uma sentença deve ser essencialmente construída por “sujeito” + “predicado”. E, por uma questão de lógica, o “ser” deve preceder o que é dito sobre ele. Porém, essa ordem canônica é afetada, significativas vezes, quando se coloca um ou mais elementos que constituem o predicado, antes do sujeito. Perceba, na frase acima, que a intenção foi destacar o objeto a ser comprado “este carro”, colocando-o no princípio. Para sinalizar o deslocamento [ou seja, o ato de “tirar do lugar” ou “tirar da ordem”], foi empregada a vírgula. Trata-se, então, de uma nova forma gramatical, relativa à escrita das sentenças, que é utilizada em situações comunicativas formais e informais.
Existem sentenças que fazem parte especificamente de determinado ambiente de trabalho. É o caso, por exemplo, do “gerundismo”, difundido pela cultura moderna, sobremaneira, por profissionais que lidam com atendimento ao cliente. Eis alguns exemplos: “Vou estar enviando a cópia ainda hoje para você.”, “Vou estar te ligando assim que a encomenda chegar.”. Também se faz presente em situações cotidianas: “Vou estar indo a sua casa no domingo.”, “Vou estar de pegando às 21 horas”. Os mais conservadores condenam o gerundismo, que consiste na junção de três formas verbais [verbo “ir” + verbo “estar” + verbo no gerúndio, aquele que termina em “ndo”], pois acreditam que o referido fenômeno gera sentenças redundantes. Perceba que a gramaticalização do gerundismo ocorre por meio da inserção do verbo “estar”, visto que é comum ser dito “Vou ir” ou “Vou enviar”, conforme explicação adiante.
Examine o termo sublinhado:
Eu encontrar-me-ei com ele antes de o sol se pôr.
Você costuma se expressar dessa maneira? Certamente, não... A mesóclise [segmentação de um verbo para o acréscimo, ao meio, de um pronome átono] no verbo “encontrar” faz a indicação de uma ação futura. Trata-se de um modo de se expressar mais erudito e, por isso mesmo, raramente utilizado, mesmo em situações formais. Para simplificá-lo, determinadas formas foram criadas:
Há, também, as alterações concernentes à fonética. Para a análise de algumas delas, recomenda-se a leitura destas sentenças que representam situações orais, sobretudo informais, de uso da língua:
Note que, na primeira sentença, o “nhê” indica a forma com que a palavra é pronunciada, quando a mãe é chamada de forma mais insistente. Na utilização do gerúndio (verbo terminado em “ndo”), costuma-se ocorrer a redução do fonema “d”, como em “correno”. Na segunda sentença, a abreviação ou redução também se faz presente nos vocábulos: “vô” (vou), “vendê” (vender) e “pagá”. A referida redução intensifica a pronúncia da última letra, conforme sinalizam os acentos. É interessante observar que “vô” também é redução para a palavra “avô”, ao qual poderia ser feita a referência, em tom de pedido, caso a sentença fosse assim: “Vô, vende o meu carro...”.
Enfim, a gramaticalização designa o processo de criação de elementos com fins gramaticais. Em outras palavras, significa alterar a língua, a partir da língua, isto é, sem interferência do contexto extralinguístico. As criações podem ocorrer no âmbito da sintaxe, da morfologia e da fonologia.
Referência:
FORTUNATO, Isabella Venceslau. Universidade Federal da Bahia – FAPESB. Gramaticalização e lexicalização das lexias complexas no português arcaico. Disponível em: < http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_456.pdf >. Acesso em: 10 de dezembro de 2015.
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