Heterônimos de Fernando Pessoa

Os Heterônimos de Fernando Pessoa são personalidades criadas por ele próprio e que assinam cada qual as suas obras. Para tanto, esses escritores têm biografia e estilo particular.

Estudos indicam que Fernando Pessoa assinou textos com cerca de 70 nomes diferentes. Há quem considere que todos eles são heterônimos de Pessoa.

Outros afirmam que os considerados por muitos os seu principais heterônimos resumem os que realmente são heterônimos de Fernando Pessoa, apenas três.

Isso porque o poeta teria criado apenas a biografia de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Bernardo de Campos é considerado um semi-heterônimo de Pessoa. Isso porque essa personalidade apresenta características muito semelhantes às de Fernando Pessoa, sendo muitas vezes confundido com o próprio escritor.

Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos vistos por Almada Negreiros

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro (1889-1915) nasceu em Lisboa. É o mestre dos heterônimos, tendo como discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Passou a sua vida no campo e ficou órfão de pai e mãe muito cedo, passando a viver com uma tia avó. Morreu de tuberculose.

Apesar da data indicada para o seu falecimento, há registro de poemas de Alberto Caeiro do ano 1919.

Características do seu estilo

Caeiro valoriza a simplicidade e demonstra o seu gosto pela natureza. Para ele, mais importante do que pensar é sentir, delegando todo o conhecimento à experiência sensorial.

A linguagem da sua poesia é simples, afinal, Caeiro não estudou além da escola primária.

Poemas

Se, depois de eu morrer...

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus.

Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso fui o único poeta da Natureza.

Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei da verdade e sou feliz.

Ricardo Reis

Ricardo Reis nasceu em 1887 no Porto, não sendo conhecida a data da sua morte.

Estudou Medicina e, antes, em colégio de jesuítas. Foi viver no Brasil em 1919, após a instauração da república em Portugal (1910), porque era monarquista.

Características do seu estilo

Tal como Caeiro valoriza a simplicidade, Ricardo Reis gosta do que é simples, mas num sentido de oposição ao que é moderno.

Tradicional, para ele, a modernidade é uma mostra de decadência. Sua linguagem é clássica e seu vocabulário, erudito.

Poemas

Segue o teu destino

Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias.

A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só. Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses. Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta Está além dos deuses. Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração. Os deuses são deuses Porque não se pensam.

Para ser grande, sê inteiro

Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive

Álvaro de Campos

Álvaro de Campos nasceu em Tavira, Portugal, no ano 1890. A data do seu falecimento não é conhecida.

Formado em Engenharia na Escócia, não exerceu a profissão.

Características do seu estilo

Álvaro de Campos valoriza a modernidade e é um pessimista, pois apesar do gosto pelo progresso, o tempo presente o angustia.

Seu estilo pode ser definido em três fases: decadentista, progressista e pessimista.

O dia deu em chuvoso

O dia deu em chuvoso. A manhã, contudo, estava bastante azul. O dia deu em chuvoso. Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma? Não sei: já ao acordar estava triste. O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante. Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante. Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? Dêem-me o céu azul e o sol visível. Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego. Até amaria o lar, desde que o não tivesse. Chego a ter sono de vontade de ter sossego. Não exageremos! Tenho efetivamente sono, sem explicação. O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias... É preciso ser-se criança para os ter... Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro! O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro, Polpa de fruta de um coração por comer... Quando foi isso? Não sei... No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.

O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto alguém. Essas coisas todas - Essas e o que faz falta nelas eternamente -; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada - Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...

E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço. Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço...

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa é um dos mais exemplares escritores portugueses. Nasceu em Lisboa em 1888, mas ficou órfão de pai aos 5 anos e foi para a África, onde deu início aos seus estudos. Sua mãe tinha casado com um militar nomeado cônsul na África do Sul.

Com 17 anos regressa de forma definitiva a Portugal, onde viveu até o fim da sua vida em 1935.

Modernista, Pessoa destacou-se não só com a sua poesia ortônima, na qual ele assina como Fernando Pessoa, como é muito conhecido pela criação de heterônimos.

Curiosidade

Estudos recentes feito pelo brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, membro da Academia Pernambucana de Letras, apontam a existência de 127 pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos, personagens fictícias e poetas mediúnicos.

Leia:

  • Eu Lírico
  • Modernismo em Portugal
  • Orfismo na Literatura Portuguesa
Márcia FernandesProfessora, pesquisadora, produtora e gestora de conteúdos on-line. Licenciada em Letras pela Universidade Católica de Santos.
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