Hipálage

A hipálage é uma figura de linguagem que atribui a um ser uma característica pertencente a outro, com o qual mantém uma relação na situação comunicativa. Tal recurso é empregado para gerar determinados efeitos de sentido, tornando o texto mais expressivo. Vamos observar a hipálage neste fragmento do romance “O primo Basílio”, escrito por Eça de Queirós:

Era em julho, um domingo; fazia um grande calor; as duas janelas estavam cerradas, mas sentia-se fora o sol faiscar nas vidraças; escaldar a pedra da varanda; havia o silêncio recolhido e sonolento da manhã de missa [...]

Em “[...] havia o silêncio recolhido e sonolento da manhã de missa [...]”, os adjetivos “recolhido” e “sonolento” caracterizam o silêncio que se instaura na manhã da missa, num dia de domingo. Porém, não é o silêncio da manhã de missa que está “recolhido” e “sonolento”, mas o indivíduo que está inserido na referida situação social. O texto torna-se mais expressivo quando as características citadas são atribuídas ao silêncio e não ao indivíduo que logicamente as possui.

Um desafio – identifique a hipálage no texto a seguir:

Os dois haviam brigado. E como brigaram! Gritos e mais gritos marcaram aquela tarde de sábado! Cada um com sua razão... Ninguém dava o braço a torcer. Sem dúvidas, já haviam passado por muitos momentos difíceis... Tantos anos de casamento! Mas, aquela briga não se igualava a tantas outras; era infinitamente superior... Seria o início de um rompimento? Difícil saber por enquanto... Os nervos ainda estão à flor da pele... Após a discussão, cada um escolheu um canto da casa para se refugiar. À noite, encontraram-se no jantar... Não se falaram, mal se olharam... Que frio aquele jantar!

(Texto criado pela autora deste artigo para a abordagem da hipálage)

Você identificou a hipálage? Bom, o texto acima narra uma situação de desentendimento envolvendo um casal, em uma tarde de sábado. Quando a noite chega, acontece o reencontro no jantar, mas sem qualquer tipo de comunicação entre os dois (“Não se falaram, mal se olharam...”). Em função disso, o texto encerra-se com o comentário (“Que frio aquele jantar!”). É o jantar que estava frio? Não. É o casal que estava frio, na acepção de “indiferente” ou “insensível”. Desse modo, empregou-se a hipálage – a atribuição do adjetivo “frio” ao substantivo “jantar”, não ao substantivo “casal” – para caracterizar a situação/a atmosfera em que se encontrava aquele casal.

Veja mais exemplos de hipálage, observando que ela gerou a alteração explícita da posição considerada padrão dos adjetivos nas frases:

A jovem entrou na sala raivosa e não disse nada.

Não consegui entender a conversa histérica do grupo!

Estava na janela desolada, por causa dos últimos acontecimentos...

Para concluir:

A hipálage ocorre quando um adjetivo que caracteriza um ser é atribuído a outro. Há uma inversão no uso do adjetivo com a intenção de produzir efeitos de sentido mais expressivos no texto. Essa figura de linguagem está presente em textos literários, mas também no dia a dia.

Referências:

DUARTE, Rosa. Hipálage. In: E-Dicionário de Termos Literários – de Carlos Ceia. Disponível em: . Acesso em: 31 de outubro de 2019.

QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: FDT, 1994.

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