O léxico designa o conjunto de palavras e unidades linguísticas menores que constituem aquelas. É pertinente salientar que o léxico de uma língua não se restringe aos vocábulos registrados no dicionário. Os mais diversificados afixos, a título de exemplo, oportunizam a formação de novas palavras que são utilizadas por um grupo restrito de indivíduos ou por um povo situado em determinada região do país. Nesse contexto, é que se insere a lexicalização, cujo sufixo “ação” sugere o seu significado: a ação de tornar um vocábulo parte do léxico. Para a ilustração do processo de lexicalização, recomenda-se a leitura deste fragmento de Grande Sertão: veredas, do escritor Guimarães Rosa:
Medeiro Vaz era carrancista. Somente de mais sisudez, a praxe, homem baseado. Às vezes vinha falando surdo, de resmão. Com ele, ninguém vereava. De estado calado, ele sempre aceitava todo bom e justo conselho. Mas não louvava cantoria. Estavam falando todos juntos? Então Medeiro Vaz não estava lá. O que tinha sido antanha a história mesma dele, o senhor sabe? Quando moço, de antepassados de posse, ele recebera grande fazenda. Podia gerir e ficar estadonho. [...]
Perceba que, para descrever o personagem Medeiro Vaz, foram utilizadas diferentes expressões criadas pelo povo do sertão, cenário do romance. A esse processo de criação de palavras, dá-se o nome de “neologismo”. Palavras como Carrancista, antanha, estadonho e orações como falando surdo, de resmão; com ele ninguém vereava e não louvava cantoria compõem genuinamente o léxico do sertão. Trata-se de vocábulos que foram lexicalizados, uma vez que passaram a integrar aquele contexto social. Sob esse aspecto, o indivíduo que não pertence à referida região ou não a conhece linguisticamente, enfrentará dificuldades para compreender o romance. Salvo exceções aos sentidos que podem ser identificados pelo contexto, como em:
Quando moço, de antepassados de posse, ele recebera grande fazenda. Podia gerir e ficar estadonho.
Infere-se que estadonho pode significar “tranquilo”, por ser o indicador do estado em que o Medeiro Vaz supostamente poderia estar, ao gerir, desde moço, a fazenda ganhada. Constate, então, o quão abundante é a nossa língua. Quanto mais conhecemos vocábulos regionais, mais mergulhamos em culturas diversificadas. Imagine a riqueza de poder conhecer minuciosamente os vocábulos sertanejos, de modo a se inserir no contexto do sertão?
Há palavras que são lexicalizadas em decorrência de avanços tecnológicos. Da Informática, a título de ilustração, surgem inúmeras palavras: pen-drive, delete (do qual se originou “deletar”), notebook... Da Internet, os variados termos que nomeiam as redes sociais, o blog, e-book, site. Trata-se de exemplos do fenômeno linguístico denominado “estrangeirismo”. Os referidos vocábulos integrarão o léxico do indivíduo, a partir do momento em que ele interagir com o meio virtual.
Vale elucidar que quando se estuda determinada área do conhecimento, o (futuro) profissional interage com diversificados conceitos inerentes a ela. Nesse contexto, inúmeros vocábulos novos, partilhados por todos aqueles que se inserem naquela comunidade científica, passam a compor o seu repertório lexical. Em suma, o processo de lexicalização é imprescindível para o enriquecimento da língua e da comunidade onde ela se insere. É importante frisar que a lexicalização, por apresentar motivação extralinguística, difere-se da gramaticalização, cuja essência é intralinguística.
Referências: BASÍLIO, Margarida. Formação e classe de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Temas e figuras: a seleção lexical. In: ___Para entender o texto: leitura e produção. 15 ed. São Paulo: Ática, 1999, p.93-99.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 7ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, p.36.
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