Na zona mais profunda dos oceanos encontram-se criaturas peculiares, cuja aparência atípica, e muitas vezes assustadora, parece fruto de imaginação fértil: os peixes abissais (em inglês, deep sea fish).
A zona abissal dos oceanos, delimitada a partir dos 4-5 mil metros de profundidade, representa um dos ambientes mais inóspitos do planeta: frio, escuro e pobre em nutrientes, este ecossistema exige uma série de adaptações por parte de seus habitantes, a fim de garantir sua sobrevivência. A ausência, total ou parcial, de luz nestes ambientes impede o estabelecimento de organismos autotróficos como algas e cianobactérias, responsáveis pela produção primária na zona eufótica dos oceanos, através do processo de fotossíntese. Desta forma, os organismos abissais enfrentam condições oligotróficas (baixa concentração de nutrientes) diariamente, necessitando de estratégias alimentares e adaptações fisiológicas que assegurem não só sua sobrevivência, como também seu crescimento e desenvolvimento.
Outro desafio enfrentado pelas espécies abissais é a alta pressão destas zonas. A cada dez metros de profundidade, a pressão hidrostática aumenta linearmente 1 atm, transformando a zona abissal em uma região de alta pressão, capaz de esmagar, por exemplo, um cilindro de oxigênio. No entanto, como os peixes não possuem pulmões e, consequentemente, ar em seus corpos, estes animais conseguem sobreviver à estas condições, alcançando até 8.200 metros de profundidade. Este recorde só se tornou possível pela presença de uma substância hidrófila denominada óxido de trimetilamina (TMAO), que evita a distorção e compressão de proteínas (e outras moléculas vitais) sob efeito de pressão intensa.
O fundo abissal também é caracterizado por uma baixa temperatura, que não ultrapassa os 40º Celsius, e influencia na taxa metabólica, provocando o crescimento lento das espécies. Nestas zonas, o oxigênio geralmente não constitui fator limitante para a ictiofauna, variando entre concentrações de 3,6 a 7 ml.L-1, com exceção das áreas hipóxicas, onde a concentração é menor do que 0,2 ml.L-1 (estas sim, limitante para os peixes).
Os peixes abissais apresentam características anatômicas e morfológicas singulares, que facilitam sua sobrevivência em um ambiente tão inóspito quanto as zonas abissais. A maioria destes animais possui olhos e boca grandes, dentes afiados, além de apresentar formato e coloração corporais bem distintos: várias espécies de peixes abissais não possuem nadadeira caudal definida (ex.: Coryphaenoides leptolepis), enquanto outras destacam-se por sua pele transparente (ex.: Opisthoproctus soleatus, peixe olhos-de-barril). A coloração destes peixes está relacionada à camuflagem e fuga de possíveis predadores, e a maioria das espécies (com exceção daquelas que são transparentes) variam entre tons de vermelho, laranja e prata. Já as diferenças no formato corporal, como a ausência de nadadeira caudal definida, justificam-se pela baixa atividade natatória destes animais, que passam a maior parte do tempo em suspensão (ou nadando vagarosamente) à espera de sua presa, a fim de evitar gastos energéticos.
A escassez de alimento, aliás, parece ser a principal razão para as adaptações desenvolvidas por estes animais. Os peixes abissais apresentam uma gama de estratégias alimentares a fim de aumentar o sucesso na captura de presas, pouco abundantes nestes ambientes. Algumas espécies possuem apêndices carnosos, situados no topo de suas cabeças, que são utilizados como isca para atrair presas; outras, apresentam olhos extremamente sensíveis capazes de distinguir a baixa luminosidade proveniente da superfície marinha, assim como organismos bioluminescentes.
Os olhos dos peixes abissais constituem, aliás, um de seus caracteres mais desenvolvidos: tubulares, a retina destas estruturas é formada por várias camadas e uma lente grande, permitindo a detecção de quantidades mínimas de luz em qualquer direção. Além disso, algumas espécies também podem apresentar uma lente secundária nas laterais dos olhos, utilizada para distinguir entre a luz ambiental e fenômenos bioluminescentes. Estas estruturas também auxiliam a dieta dos peixes abissais que consomem neve marinha, um aglomerado de partículas formado principalmente por bactérias e material orgânico detrítico, descendente das camadas mais superficiais do oceano. Peixes abissais também podem se alimentar da carcaça de animais mortos (ex.: baleias), além de consumir nutrientes dissolvidos na coluna d’água. Em geral, organismos que vivem camuflados no sedimento necessitam ingerir partículas orgânicas acumuladas no fundo abissal, enquanto os peixes que vivem na coluna d’água atuam como predadores.
Os predadores abissais geralmente possuem uma isca bioluminescente, formada a partir de um prolongamento iluminado que fica suspenso próximo à boca (tal qual uma vara de pesca), para atrair possíveis presas. A geração de luz por parte destes peixes ocorre devido à proteína luciferina, que fica depositada dentro de um órgão denominado fotóforo. Em algumas espécies, a produção e liberação de líquido luminescente é utilizada como estratégia para distrair possíveis predadores, além de servir como mecanismo de comunicação entre indivíduos. Alguns cientistas sugerem também que este fenômeno pode estar relacionado à reprodução de certos peixes, que produzem luz, sons ou feromônios na busca por possíveis parceiros sexuais.
Referências bibliográficas:
All you need is biology. https://allyouneedisbiology.wordpress.com/tag/abyssal-fish/
Biologia Marinha. Pereira, R. C., & Soares-Gomes, A. (2002). Rio de Janeiro: Interciência, 2, 608.
Diário de Biologia. http://diariodebiologia.com/2007/10/a-zona-abissal-abriga-seres-bizarros/
List 25: 25 Most Terrifying Deep Sea Creatures. http://list25.com/25-most-terrifying-deep-sea-creatures/2/
Science ABC. https://www.scienceabc.com/nature/animals/deep-sea-fishes-not-get-crushed-pressure-sea-floor.html
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