Sintaticização

A sintaticização, um dos integrantes do processo de gramaticalização, designa as alterações que afetam os arranjos sintagmático e sentencial. (FORTUNATO, s/d, p. 3). Em outras palavras, é o processo de criação de novas combinações de elementos que compõem as sentenças. Observe:

Como não moro na capital, levantei-me cedo para ir ao jogo. Ele aconteceria de manhã. Mas aí, o meu carro não ligava não. Aí eu liguei para um mecânico, amigo meu. Ele disse que não iria poder me ajudar naquela hora. Estava ocupado no posto que trabalhava. Liguei para outro posto. Só chamava... Já estava desistindo já... O próximo ônibus só passaria daqui uma hora. Não chegaria a tempo... Dei mais uma olhada no motor... Fazer o quê? Vou assistir o jogo pela televisão mesmo...

(Texto elaborado pela autora deste artigo para a abordagem do processo de sintaticização).

No texto acima, a pessoa (narradora) conta o que lhe aconteceu no dia em que planejava ir assistir a um jogo na capital de seu estado. Ao longo do relato, são utilizadas algumas construções recorrentes, sobretudo, em situações orais de uso da língua:

1. Inversão da ordem lógica (Sujeito + Predicado) da sentença: “Como não moro na capital, levantei-me cedo para ir ao jogo.”

Perceba que parte do predicado foi anteposto ao sujeito “eu”, identificado pela desinência verbal. Com isso, o destaque é direcionado à justificativa apresentada para a saída mais cedo. O deslocamento do termo é sinalizado pelo uso da vírgula. A inversão da ordem canônica dos elementos que integram a sentença também é recorrente em contextos formais, quando se intenciona realçar determinado componente sentencial.

2. Frases fragmentadas:

No que tange à oralidade, a transição dos pensamentos é feita de forma automática. Por isso, é comum a presença de frases que se fragmentam em decorrência da ausência de conjunções. Trata-se, então, de casos de sintaticização, uma vez que os falantes criam determinadas estruturas sentenciais, em virtude da situação comunicativa em que se encontram:

  • “[...] levantei-me cedo para ir ao jogo. Ele aconteceria de manhã.”. Nesse caso, percebe-se a ausência do pronome relativo “que”: “[...] ir ao jogo que aconteceria de manhã”.
  • “Ele disse que não iria poder me ajudar naquela hora. Estava ocupado no posto em que trabalhava.”. Nesse trecho, nota-se ausência da conjunção “pois” (indicadora de justificativa) que, precedida da vírgula, se uniria ao termo “hora”, presente na sentença anterior.
  • “Liguei para outro posto. Só chamava...”. Nesse fragmento, observa-se a ausência de um conector com valor adversativo, por exemplo: “Liguei para outro posto, mas só chamava.”
  • 3. Repetição de vocábulos:

    • “Aí eu liguei para um mecânico, amigo meu.”: utilizado para dar sequência às ações relatas.
    • “Aí eu liguei para um mecânico” e “Liguei para outro posto”.
    • “Mas aí, o meu carro não ligava não.”: reforço de afirmações negativas.

    4. Ausência de preposição que rege verbos:

  • “Estava ocupado no posto que trabalhava.”. Nesse caso, percebe-se a ausência da preposição “em” que rege o verbo “trabalhava”, pois quem trabalha, trabalha em algum lugar.
  • “Vou assistir o jogo pela televisão mesmo...”. Nesse trecho, nota-se a ausência da preposição “a”, pois quem vai, vai a algum lugar. Assim: “vou assistir ao jogo”.
  • Em suma, os exemplos elencados acima ilustram a ocorrência da sintaticização, processo que designa a criação de novas estruturas e combinações sentenciais, motivadas pelo contexto comunicativo, no qual o indivíduo se encontra inserido.

    Referência: FORTUNATO, Isabella Venceslau. Universidade Federal da Bahia – FAPESB. Gramaticalização e lexicalização das lexias complexas no português arcaico. Disponível em: < http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_456.pdf >. Acesso em: 10 de dezembro de 2015.

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