Retratados em inúmeras obras cinematográficas, dentre as quais destaca-se o clássico Tubarão, os tubarões povoam o imaginário popular como predadores vorazes, impiedosos e sanguinários. Tal imagem tornou-se um obstáculo para sua preservação, apesar da extrema importância que estes animais apresentam para o equilíbrio da comunidade oceânica.
Em 25 de Dezembro de 1975, estreava nos cinemas um dos maiores clássicos de suspense já produzidos em Hollywood: Tubarão (com título original em inglês, Jaws), dirigido pelo renomado cineasta Steven Spielberg. De lá pra cá, várias obras cinematográficas (mais de 50) foram produzidas utilizando estes animais como protagonista. A semelhança entre estas? O terror imposto pelos tubarões, assassinos impiedosos e vorazes, às suas vítimas. Tal cenário criou uma onda de terror associada à estes peixes, a qual, aliada à ocorrência de alguns ataques, gerou uma repercussão negativa que persiste até os dias atuais, dificultando a conservação destes animais.
A falta de empatia e consciência ambiental por parte da população humana facilitou a caça desenfreada dos tubarões (cerca de 100 milhões de exemplares por ano), incluindo a prática cruel do shark finning. Esta técnica envolve a captura de tubarões para extração de suas barbatanas, utilizadas na elaboração de sopas, enquanto estes animais ainda estão vivos. Posteriormente, seus corpos são descartados na água levando o tubarão ao afogamento por asfixia, já que este não consegue nadar para estimular a circulação de água em suas brânquias. A prática do finning foi proibida nos Estados Unidos no ano de 2000, país que também liderou a criação do Shark Conservation Act em 2010. Entre as medidas descritas neste documento, pode-se citar a fiscalização de barcos pesqueiros para o exame das carcaças, isto é, se houve mutilação dos exemplares capturados (retirada das barbatanas).
Recentemente, com a conscientização sobre o estado atual das espécies de tubarão, estes animais passaram a ser positivamente retratados em filmes infantis, sendo alvo também de várias campanhas de proteção e iniciativas de ecoturismo (principalmente voltadas para o mergulho) ao redor do mundo. Entretanto, medidas conservacionistas mais eficazes ainda precisam ser adotadas a fim de evitar a extinção de várias espécies.
Os tubarões pertencem à classe dos Chondrichthyes, formada por peixes que possuem esqueleto cartilaginoso, mais leve e flexível que o ósseo. Estes animais respiram através de uma série de fendas branquiais (geralmente entre 5-7) localizadas na lateral do corpo, e representam um dos mais sofisticados predadores do reino animal. As escamas que recobrem sua pele, por exemplo, não se assemelham às estruturas presentes em peixes tradicionais, tratando-se de escamas placóides (ou dentículos dérmicos), as quais apresentam formato similar ao de dentes, que se sobrepõem formando a pele destes animais. Estas estruturas são constituídas por dentina e esmalte de alta resistência, e auxiliam no desempenho hidrodinâmico através da redução de atrito com a água.
Os tubarões também apresentam múltiplas fileiras de dentes serrilhados, que são trocados periodicamente, e desempenham um papel essencial para a obtenção de alimento, assim como as ampolas de Lorenzini. Esta estrutura é formada por uma rede de canais (i.e. poros) localizados no focinho destes peixes, que atuam como receptores sensíveis à mudanças de temperatura, salinidade e pressão d’água, além de detectar campos elétricos sutis, gerados por possíveis presas como peixes e alguns mamíferos marinhos. Este sistema sensorial conferiu ao grupo um extraordinário poder olfatório, visto que algumas espécies de tubarões conseguem detectar suas presas em uma proporção de 1 parte em 10 bilhões. Além de contribuir para a dieta dos tubarões, as ampolas de Lorenzini também parecem influenciar sua reprodução: é através desta estrutura que os machos conseguem identificar os feromônios das fêmeas, localizando assim, possíveis parceiros sexuais. Estes animais apresentam fecundação interna, que ocorre através da introdução do clásper (órgão sexual masculino) no oviduto da fêmea, onde acontece a liberação do esperma. O desenvolvimento embrionário pode ocorrer de forma interna ou externa: algumas espécies como o tubarão-azul são vivíparas (i.e. embrião se desenvolve dentro da mãe, alimentando-se pela placenta), enquanto outras como o tubarão-zebra consistem em espécies ovíparas (i.e. embrião se desenvolve em ovos, fora do corpo materno).
Por fim, o temido tubarão-branco representa as espécies ovovivíparas, cujos ovos eclodem dentro do corpo materno, que não apresenta nenhuma ligação com os filhotes (i.e. placenta). Desta forma, a nutrição destes animais consiste na ingestão de ovos não-fertilizados. O processo de digestão, por sua vez, é facilitado pela válvula em espiral presente no intestino dos tubarões, a qual é responsável por retardar a passagem do alimento consumido, aumentando a área de absorção do intestino.
Outra particularidade destes animais consiste no controle da flutuabilidade. A ausência de bexiga natatória permite a livre movimentação dos tubarões entre a superfície e altas profundidades, sendo seu grande e oleoso fígado, o principal órgão associado à sua flutuação. As nadadeiras peitorais também auxiliam nesta atividade, desempenhando papel similar às asas de um avião.
Estima-se que mais de 465 espécies de tubarão habitem os oceanos ao redor do mundo, dentre as quais 88 encontram-se associadas à costa brasileira. Estes animais desempenham um papel crucial para o equilíbrio do ecossistema marinho, visto que atuam como predadores de topo, regulando toda a cadeia trófica; sua extinção provocaria, inclusive, um poderoso efeito cascata nas teias alimentares oceânicas, uma vez que regulam as populações de presas, além de manter a saúde nos oceanos através da ingestão de animais doentes, feridos e mortos (papel semelhante ao desempenhado pelos urubus no ambiente terrestre). Apesar de persistirem há 150 milhões de anos, sobrevivendo até mesmo ao fim da era dos dinossauros, os tubarões vêm enfrentando, há pelo menos 25 anos, sua maior ameaça: a sobrepesca motivada pela ignorância humana. Atualmente, mais de 20 espécies encontram-se listadas como ameaçadas de extinção pela Lista Vermelha da IUCN.
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Referências bibliográficas:
American Museum of Natural History: Sharks and rays – Myth and Reality. http://www.amnh.org/learn/pd/sharks_rays/rfl_myth/index.html
Animal Welfare Institute: Shark Conservation Act. https://awionline.org/content/shark-conservation-act
Defenders of Wildlife: Factsheet Sharks. http://www.defenders.org/sharks/basic-facts
Enchanted Learning: Sharks. http://www.enchantedlearning.com/subjects/sharks/anatomy/Repro.shtml
Sharks World. http://www.sharks-world.com/shark_hunting/
Tubarões no Brasil: Guia prático de identificação. Szpilman, M. (2004). Rio de Janeiro: Mauad, 1, 160.
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