Verbo intransitivo

Para a conceituação do “verbo intransitivo”, propõe-se a leitura do poema Neologismo, escrito por Manuel Bandeira:

Neologismo

Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo: Teadoro, Teodora.

Perceba que o eu poético utilizou um neologismo [fenômeno linguístico que intitula o poema e cuja definição se encontra mais precisamente no quinto verso, Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.] para expressar a adoração pela amada. O verbo teadorar foi criado, tomando como referência a fala cotidiana, conforme sugere o quarto verso, visto que comumente é dito de modo informal, “te adoro” e, não, “adoro-a” (menos íntimo e, por isso mesmo, menos afetivo). Soma-se a isso a interessante combinação sonora entre o neologismo teadoro (junção do pronome com o verbo) com o nome da amada Teodora, a quem se dirige o poema. Note que o verbo teadorar é concebido como intransitivo. No entanto, de acordo com a gramática de nossa língua, “adorar” é um verbo transitivo direto, pois quem adora, adora algo ou alguém. Então, qual é o significado da referida acepção? Pela leitura, pode-se aferir que adorar é um sentimento completo, que traduz a ternura mais funda e mais cotidiana. Nesse contexto poético, deduz-se que teadorar é um verbo intransitivo, visto que a ideia a ele inerente, basta por si só, isto é, não necessita de termos que complementem o seu sentido. Adora-se e pronto!

Diante do exposto, tem-se o seguinte conceito para o “verbo intransitivo”: verbo significativo (núcleo do predicado), cujo sentido é completo. A ação restringe-se ao verbo. Por isso, não exige a presença de complementos. A própria terminologia em si constitui-se de um prefixo indicador de negação “in”. Sob esse aspecto, “intransitivo” é aquilo que não transita. Não há a transição da ideia verbal para o seu complemento.

Observe outras ocorrências do tipo de verbo em foco:

Durante a madrugada, o cachorro latiu ferozmente.

É válido elucidar que, na frase acima, a palavra “ferozmente” não foi empregada para completar o sentido do verbo intransitivo “latir”. O seu objetivo é indicar o modo com que o cachorro estava latindo. Já o trecho deslocado para o princípio da frase “durante a madrugada” tem o propósito de revelar o tempo em que ocorreu a ação verbal. Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o verbo intransitivo pode vir, sim, acompanhado de determinadas palavras ou expressões, cuja presença não é obrigatoriamente exigida por ele. As referidas expressões têm por finalidade apresentar apenas as circunstâncias em que seu deu a ação.

Vale enfatizar que a predicação de um mesmo verbo (transitivo direto, transitivo indireto ou intransitivo) pode variar conforme o contexto em que a frase se insere. Compare:

  • Embora tenha sido questionado, o rapaz não falou a verdade.
  • Durante a aula, o professor advertiu a aluna, quando ela falava com o colega.
  • Apesar de ser formado em Jornalismo, ele não fala adequadamente.
  • Constate que, na letra “a”, houve a necessidade da complementação da ideia expressa pelo verbo “falou”, feita de forma direta. “O rapaz falou o quê?”: “a verdade”. Com relação à letra “b”, nota-se que foi preciso especificar com quem a aluna falava para explicar o porquê da advertência realizada pelo professor. Quem fala, fala com alguém. Nesse caso, a intermediação foi feita pela preposição “com”. E, por fim, na letra “c”, percebe-se a ocorrência do verbo intransitivo “fala”, referindo-se se à habilidade humana em si. Por isso, não depende de complemento. A palavra “adequadamente” indica apenas o modo com que ele não fala. Em suma, o olhar atento para o contexto da situação comunicativa, é imprescindível para se perceber a questão da (in) transitividade verbal.

    Referências: BANDEIRA, Manuel. Neologismo. In: Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

    CUNHA, Celso; CINTRA, Luís F. Lindley. Verbos intransitivos. In: ___ Nova gramática do português contemporâneo. 5.ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.149.

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