Conceição Evaristo é uma importante escritora brasileira. Seus contos, romances, poesias e ensaios tratam de questões ligadas à ancestralidade e afrobrasilidade.
Nascida em Belo Horizonte (MG), em 1946, Conceição veio de uma família humilde e trabalhou como empregada doméstica até 1971. Dois anos depois se muda para o Rio de Janeiro, onde se forma em Letras pela UFRJ.
Em 1996 se torna mestra em Literatura pela PUC/RJ com a dissertação Literatura Negra: uma poética da nossa afro-brasilidade. Em 2011 conclui doutorado na UFF com a tese Poemas Malungos – Cânticos Irmãos.
Ingressa na cena literária a partir do anos 90, quando passa a publicar seus textos na série Cadernos Negros, publicação do Grupo Quilombhoje.
Além de escritora, Conceição também atuou como docente em Universidades e instituições no Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Retrato de Conceição Evaristo. Foto: Fora do EixoA importância da literatura de Conceição Evaristo se dá na medida em assume uma postura crítica e sensível em relação à história do povo negro no Brasil. Tal posicionamento já se revela em seu romance de estreia e livro mais célebre, Ponciá Vicêncio.
Sua escrita tem grande relevância para a formação cultural brasileira e a levou a receber o título de Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti, em 2019.
Os temas que aborda têm relação com suas experiências de vida, pois aprofundam reflexões sobre discriminação racial e desigualdades de classe e de gênero, trazendo um retrato contundente de grande parte da população brasileira.
Por conta disso, Conceição criou o termo "escrevivência" para definir essa escrita que surge do dia a dia, dos acontecimentos comuns do cotidiano, carregados de memórias pessoais e coletivas de seu povo.
Da menina, a pipa
Da menina a pipa e a bola da vez e quando a sua íntima pele, macia seda, brincava no céu descoberto da rua um barbante áspero, másculo cerol, cruel rompeu a tênue linha da pipa-borboleta da menina.
E quando o papel seda esgarçada da menina estilhaçou-se entre as pedras da calçada a menina rolou entre a dor e o abandono.
E depois, sempre dilacerada, a menina expulsou de si uma boneca ensangüentada que afundou num banheiro público qualquer.
A nossa escrevivência não pode ser lida como história de ninar os da casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos.
O imaginário brasileiro, pelo racismo, não concebe reconhecer que as mulheres negras são intelectuais.
Gosto de dizer ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo.
A noite não adormece nos olhos das mulheres
A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante nossa, em vigília atenta vigia a nossa memória.
A noite não adormece nos olhos das mulheres, há mais olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso de nossas molhadas lembranças.
A noite não adormece nos olhos das mulheres vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices de lágrimas.
A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas pois do nosso sangue-mulher de nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência.
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