A consciência pode ser definida como a capacidade de interpretação, sensibilidade, interpretação, avaliação e durante centenas de anos, foi creditada à espécie humana o seu monopólio. Não por acaso, o nome científico auto-proclamado da nossa espécie é Homo sapiens sapiens, que em suas raízes latinas tem o seguinte significado, “aquele que sabe que sabe”, ou simplesmente “homem sábio”. Essa classificação foi nos auto-outorgada pela percepção que se tinha de que apenas os humanos tinham a capacidade de manifestar consciência, relegando aos animais não-humanos apenas o espectro instintivo, ou seja, agem apenas por instinto, como se os animais seguissem uma programação evolutivamente definida, retilínea e imutável.
A noção de consciência como exclusividade humana é apenas uma parte da teoria antropocentrista, do ser humano como centro do universo e que tudo o que existem tem como única finalidade servir aos interesses humanos. O antropocentrismo distanciou o ser humano da natureza, e tornou mais plausível a ideia de que os animais não-humanos eram seres desprovidos de consciência, como dizia René Descartes (1596-1650) “meros autômatos”.
Antes de falarmos sobre a consciência animal, é preciso entender três conceitos principais: cognição, senciência e autoconsciência. A cognição pode ser definida como obtenção, processamento e armazenamento de informação, ou seja, um processo de aprendizado. A senciência é a capacidade de sentir, a capacidade de ter sentimentos e experimentar, interpretar uma sensação como positiva e negativa, aprofundar a interpretação para além da simples reação. A autoconsciência está ligada à capacidade de ter noção da própria existência, ou seja, saber que existe, tanto fisicamente como existencialmente. Geralmente, ao se estudar a consciência animal tomamos os humanos como referência e comparamos as reações dos animais não-humanos com as nossas.
O consenso em evolução é que quanto menor a proporção cérebro e corpo, ou seja, quanto maior o tamanho do cérebro em relação ao corpo maior a capacidade cognitiva da espécie. Existem algumas diferenças entre linhagens, por exemplo, nos mamíferos, a região mais associada à processamento de informações é o neocórtex, já nas aves é o prosencéfalo. Os seres humanos possuem o maior cérebro em relação ao tamanho do corpo, e dentre os mamíferos não-humanos, só grandes macacos se sobressaem.
Corvos e papagaios possuem a proporção cérebro-corpo similar aos grandes primatas, por isso que possuem uma das maiores capacidades cognitivas dentre as aves. Papagaios podem imitar centenas de palavras e em alguns casos, como o papagaio-cinzento (Psittacus erithacus), a capacidade de aprendizado é tão desenvolvida que eles são capazes de nomear objetos. Corvos-da-nova-caledônia (Corvus moneduloides) são famosos por usar ferramentas, inclusive apresentando capacidade de ajuste das mesmas mediante diferentes situações, como por exemplo ao dobrarem arames, fazendo ganchos para retirar objetos de interesse de dentro de garrafas. Baleias-jubartes utilizam uma forma complexa de canto para se comunicarem, e já foi comprovado que esse canto pode ser aprendido pelas outras.
Polvos podem interpretar o ambiente, sendo capazes de reconhecer diferenças entre objetos baseados no tamanho e na forma, podendo inclusive classificá-los segundo esses critérios. Polvos podem abrir garrafas e potes e encontrar saídas de labirintos, inclusive arquivando esse caminho na memória e ajustando o percurso a cada vez que passa por ele para sair mais rápido. Golfinhos são capazes de transmissão cultural, ou seja, transmitir comportamento por meio do aprendizado de geração para geração. Fêmeas de chimpanzés já foram vistas carregando os filhotes mortos por semanas, inclusive cuidando do corpo e demonstrando carinho, se recusando à largá-los.
A consciência animal e seus aspectos ainda são pouco conhecidos por nós humanos, mas o fato é que muitas espécies tem autoconsciência, emoções, e são sencientes, sendo assim, tratar os animais como autômatos ou seres insensíveis é uma ideia obsoleta e egoísta.
Referências:
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