A ideia de construção social significa, de maneira simples, que a ação dos homens e mulheres em sociedade produz, a partir dessas próprias ações, conteúdos que não existiam anteriormente. Esses conteúdos, por sua vez, são o que entendemos por cultura: uma série de padrões socialmente estabelecidos a partir dos comportamentos, costumes, crenças e saberes de indivíduos em relações uns com os outros que caracterizam um grupo social. Quando afirmamos que algo é socialmente construído o que se quer evidenciar é que os seres humanos vivem imersos em padrões de conduta e comportamento criado por eles mesmos em suas relações cotidianas, que com sua padronização e sistematização em regras tácitas e explícitas, formam as instituições.
Assim, a concepção de construção social não trata o ser humano de forma determinista. Para essa perspectiva, todos os fenômenos da natureza são regidos por normas rígidas de causa e efeito que estão desde sempre dadas, não havendo espaço para indeterminações e para a emergência de novos fenômenos. Neste enquadramento, o próprio comportamento do ser humano é tido como um padrão da natureza, alheio às suas próprias vontades. As correntes deterministas negam, portanto, a possibilidade mesma da liberdade já que a própria vontade humana estaria pré determinada pela mesma natureza.
Contra isso, a noção de construção social vai defender uma desnaturalização da sociedade, uma ideia que pode ser entendida de duas maneiras: a primeira, de uma forma mais literal, diz respeito ao fato de que os seres humanos não funcionam de maneira totalmente determinada pela natureza, isto é, eles fazem escolhas e executam ações de forma intencional e com isso, quebram com a hipótese de uma determinação prévia da mundo. Mas também há uma maneira um pouco mais específica de entendermos que a sociedade não é natural: ao agirem de forma consciente, quer dizer, ao aplicarem sua vontade e liberdade ao mundo, os seres humanos operam contingências e instauram acasos na história que não podem ser apreendidos de antemão. Portanto, a partir desse segundo sentido, o fato de entendermos a sociedade como uma construção é o que permite a possibilidade da mudança histórica, uma vez que passamos a considerar que o estágio atual no qual nos encontramos é fruto dos processos de aprendizagem social realizados não pela natureza, mas pelos próprios homens e mulheres que são, esses sim, os agentes da história.
Por fim, cabe explicitar a partir de um tema atual o que se quis elencar na distinção feita até aqui. Os estudos na área de gênero e sexualidade têm afirmado que a categoria “gênero” é uma construção política. Afirmação constantemente interpretada como se, em sociedade, pudéssemos dispor arbitrariamente dos padrões sociais e das normas vigentes. Ou, ainda pior, confundindo sociologia e biologia, tratando por gênero o que é o sexo biológico. Um construtivista social não negaria que existe o sexo feminino e o sexo masculino (além dos casos menos frequentes de intersexualidade). No entanto, o que ele enfatizaria é que a categoria gênero faz referência ao papel social atrelado a esse sexo biológico e que, portanto, os papéis sociais de homem e mulher, esses sim, seriam construídos socialmente: em miúdos, ainda que existam homens e mulheres, o machismo, por exemplo, é uma relação social assimetria construída a partir dos estereótipos do gênero masculino, dominantes em nossa sociedade.
Fonte:
BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/sociologia/construcao-social/
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