O termo interseccionalidade é usado para fazer referência às formas como diferentes marcadores sociais - de gênero, raça, classe, sexualidade, entre outros - interagem entre si influenciando a forma como experimentamos a vida em sociedade. O conceito nasceu no final da década de 1980 e seu uso no Brasil tem sido popularizado nos últimos anos pelas múltiplas vozes do feminismo negro.
Em um artigo publicado em 1989, a norte-americana Kimberlé Crenshaw (1959) foi a primeira intelectual a sistematizar a ideia de interseccionalidade. Ela a definiu como um método para compreender a maneira como múltiplos eixos de subordinação se articulavam e para pensar estratégias para superá-los.
Historicamente, o movimento feminista ocidental foi majoritariamente liderado por mulheres brancas de classe média. Como efeito, muitas das reivindicações apresentadas partiam exclusivamente da experiência deste grupo, identificando as mulheres como um sujeito único. Um exemplo é a luta pela inclusão no mercado de trabalho, que partia da ideia de que a maioria das mulheres estavam, até então, limitada à esfera doméstica. A experiência das mulheres negras e de classes populares mostra que boa parte da população feminina sempre esteve exercendo o trabalho fora do âmbito doméstico, seja na forma assalariada ou mesmo, como indica a história brasileira, escravizada.
Interseccionalidade é uma das ideias que nos ajuda a perceber que cada um de nós é atravessado por diferentes marcadores, que operam de formas combinadas. Não é possível pensar a realidade da mulher brasileira sem levar em consideração o racismo que marca nossa sociedade. Da mesma forma, não é razoável discutir o racismo sem levar em consideração as demandas e experiências próprias das mulheres negras. Ainda que o conceito tenha sido inicialmente mobilizado para pensar principalmente essas duas categorias - gênero e raça - outras poderiam ser acrescentadas, uma vez que vivemos em um mundo cujas estruturas sociais são marcadas, por exemplo, pela divisão de classes sociais e pela presença da homofobia e do capacitismo. Esses fatores se combinam de forma que os indivíduos tenham experiências múltiplas, muitas vezes marcadas pela limitação do acesso a direitos e oportunidades.
Ainda que o conceito de interseccionalidade seja relativamente novo, algumas intelectuais negras elaboraram idéias precedentes que constituem sua base. Nos Estados Unidos, o trabalho de Angela Davis (1944) é uma grande referência para pensar as relações entre classe, raça e gênero. Audre Lorde (1934-1992) teve grande importância ao destacar a particularidade das lutas travadas pela comunidade lésbica negra.
O feminismo negro brasileiro é hoje uma grande referência internacional no que diz respeito aos seus movimentos e a produção intelectual de suas autoras. Algumas escritoras brasileiras tiveram grandes contribuições para pensar como os diferentes eixos de opressão se articulavam ainda antes que o termo interseccionalidade fosse criado. A antropóloga Lélia Gonzáles (1935-1994), por exemplo, escreveu sobre as formas estereotipadas com que as mulheres negras foram historicamente representadas no imaginário popular e na produção acadêmica brasileira. A filósofa Sueli Carneiro (1950) defendeu a necessidade de “enegrecer o feminismo”, afirmando que os debates de gênero não poderiam ter como base exclusiva as experiências brancas e centradas nos países desenvolvidos.
Carneiro também foi responsável por fundar no Brasil, em 1988, o Geledés, importante instituto que tem como objetivo disseminar o pensamento intelectual produzido por mulheres negra. A interseccionalidade não é útil apenas para pensar como os múltiplos marcadores articulam nossa vivências negativas, ligadas a opressão. Ele também indica as potencialidades intelectuais que visões múltiplas podem oferecer para a interpretação da realidade.
Referências:
ASSIS, Dayane N. Conceição de. Interseccionalidades. Salvador: UFBA, Instituto de Humanidades, Arte e Ciências; Superintendência de Educação à Distância, 2019. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/554207/2/eBook%20-%20Interseccionalidades.pdf
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/sociologia/interseccionalidade/
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