A glicina é um aminoácido não essencial com propriedades fisiológicas fundamentais para o organismo humano. Considerada como o mais simples dos aminoácidos proteicos, é também descrita na literatura como sendo condicionalmente essencial.
Os aminoácidos denominados condicionalmente essenciais ou semi-essenciais são aqueles cujo organismo realiza a sua síntese em condições normais, ou seja, fisiológicas, mas que em situações especiais, como em processos inflamatórios ou intensa atividade física, tem sua produção insuficiente, sendo necessário sua suplementação.
Os aminoácidos possuem em sua estrutura molecular um grupo amino (-NH2) e um grupo carboxila (-COOH), sendo que esses grupos sofrem ionização em pH fisiológico, assumindo as formas ionizadas: -NH3, COO- e NH2.
Todo aminoácido possui uma fórmula comum básica (figura 1), definida pelos grupos amino e carboxila ligados ao carbono alfa (α), onde também se liga um átomo de hidrogênio (H) e a cadeia lateral, também chamada de grupo R, que varia de acordo com cada aminoácido. Assim, o carbono α é assimétrico, por possuir quatro ligantes diferentes.
Contudo, na glicina o carbono α não é assimétrico, pois ao grupo R encontra-se ligado também um átomo de hidrogênio. Assim, a glicina é considerada como o mais simples dos aminoácidos, por consistir em apenas um grupo amina e um grupo carboxila ligados ao carbono α (figura 2).
A glicina possui o grupo R com característica apolar e alifático. Isto significa que não interage com a água, sendo hidrofóbica.
Pode se apresentar na forma gasosa ou em solução. Em sua forma gasosa, se encontra na forma não-iônica e, em solução, na forma iônica, chamada de zwitterion. Se em solução ácida, onde há o predomínio de hidrogênio (H+), o grupo carboxila é neutralizado dentro da faixa de tamponamento e, a molécula passa a apresentar carga formal positiva. Contudo, se em meio básico onde há o predomínio de íons hidroxila (-OH), a glicina doa um hidrogênio do grupamento amina para a solução, que passa a apresentar uma carga formal negativa.
Os aminoácidos podem ligar-se uns aos outros, formando cadeias polipeptídicas. Esta ligação é denominada ligação peptídica, levando à formação de proteínas. Como a glicina apresenta estrutura molecular relativamente simples e pequeno tamanho, consegue se ligar em posições na cadeia polipeptídica que seria improvável para os demais aminoácidos. Exemplo consiste no colágeno, considerada a principal proteína estrutural do corpo, onde apenas a glicina consegue encaixar-se perfeitamente ao interior de sua hélice. Com isto, a glicina representa um terço dos aminoácidos presentes na estrutura do colágeno. Nas demais proteínas, ela está presente numa concentração inferior.
A glicina também oferece vantagens às proteínas como a mioglobina e hemoglobina, conferindo notável estabilidade estrutural. Como os demais aminoácidos possuem uma cadeia lateral maior, ao substituir a glicina levariam à quebra da estrutura da proteína.
Exemplo de outras moléculas formadas pela glicina são a glutationa e a creatina. A glutationa desempenha importante função na defesa contra a ação de radicais livres no organismo. Os demais aminoácidos que a compõe são o ácido glutâmico e a cisteína. Já a creatina tem a função de fornecer energia aos músculos, além de melhorar a saúde óssea e a função cerebral.
No que diz respeito à fisiologia, a glicina desempenha importante papel como mediadora da neurotransmissão inibidora, fundamental nas respostas do controle motor voluntário e no processamento sensorial. Assim, no sistema nervoso central (SNC) se encontra amplamente distribuído os receptores inibidores de glicina. Ao ser liberada por interneurônios inibitórios presentes na medula espinhal, a glicina atua limitando a ativação de neurônios motores, proporcionando o relaxamento muscular. A estricnina, um pesticida utilizado principalmente para matar ratos, tem como mecanismo de ação o bloqueio dos receptores inibidores de glicina. Como resultado, se observa um estado de hiperexcitabilidade no neurônio, com consequente rigidez muscular, convulsões e morte por parada respiratória ou exaustão. Também, as neurotoxinas liberadas pela bactéria causadora do tétano, ao atingir o SNC inibem a liberação da glicina e do ácido gama-amino-butírico (GABA), ambos neurotransmissores inibitórios, provocando o aumento da rigidez muscular, dos reflexos e dos espasmos musculares.
Contudo, a glicina também tem comportamento excitatório no SNC, pois ao se ligar ao receptor glutamatérgico do tipo NDMA, provoca o aumento da sensibilidade do receptor ao glutamato, um neurotransmissor excitatório.
Bibliografia
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Nelson, David L.; COX, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2011. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/bioquimica/glicina/
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