A Via Campesina é uma organização internacional que articula movimentos camponeses. Ela surge e se desenvolve contrapondo-se ao avanço do modelo dominante de produção agropecuária em nível mundial das últimas décadas, colocando-se – como o próprio nome diz – na busca pela construção de uma alternativa a esse modelo. Essa “outra via” advém da percepção de que o modelo em curso é prejudicial aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Houve em meados da década de 1980 um aumento da internacionalização da agricultura, tendo como principal característica a concentração da produção de alimentos sob o controle de poucas empresas multinacionais. Essas empresas passaram a gerir a produção e subcontratar mão de obra, concentrando também a distribuição dos produtos, homogeneizando inclusive o consumo mundial de alimentos. Esse processo agravaria ainda a concentração de terras, resultando no êxodo rural forçado ou, no caso de permanência, empobrecimento e dependência das famílias camponesas em relação às grandes empresas do agronegócio. Diante dessa nova tendência de expansão capitalista no campo, considera-se que houve uma nova ascensão de movimentos sociais camponeses ao redor do mundo, sobretudo nos países periféricos, onde as condições de vida da população camponesa foram mais afetadas.
Esses movimentos e organizações do campo, espalhados pelo mundo, tiveram os avanços das comunicações e transportes como aliados, facilitando a confluência de ideias nessa proposta alternativa para a agricultura. A Via Campesina, aos poucos, adquiriu importante papel nas lutas populares internacionais contra o neoliberalismo, se opondo ao controle dos recursos naturais e tecnologia, em defesa da soberania alimentar.
Seu nascimento data de 1992, no II Congresso da Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos de Nicarágua, realizado em Manágua, no qual organizações da América e Europa propuseram a criação de uma articulação mundial do campesinato. A efetivação veio em 1993, em Mons, na Bélgica, na I Conferência da Via Campesina, quando foram elaboradas as linhas políticas iniciais e sua estrutura organizativa.
Novos movimentos foram se incorporando e suas linhas políticas foram sendo aperfeiçoadas. Em abril de 1996, na sua II Conferência, em Tlaxcala, no México, contou com a participação de 37 países e 69 organizações nacionais. Enquanto o encontro ocorria, no dia 17 de abril, ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 camponeses sem-terra foram assassinados durante uma marcha no município localizado no estado do Pará. Por conta disso, 17 de abril foi declarado naquela mesma conferência o Dia Mundial da Luta Camponesa. A Via Campesina ainda realizou – até 2019 – outras cinco Conferências.
A Via Campesina é estruturada pela Conferência Internacional, pela Comissão Coordenadora Internacional, por comissões políticas e a secretaria executiva, além dos movimentos camponeses nela associados. Esse modelo organiza suas linhas de atuação, elaborando documentos e manifestos, além de definir sua participação em debates, protestos e eventos internacionais.
Ao compreender a soberania alimentar como direito dos povos, de seus países e blocos de definirem suas políticas agrícolas e alimentares, sem a interferência de outros países, a Via Campesina também defende a retirada do poder das corporações multinacionais e que as negociações agrícolas internacionais estejam sob o controle dos Estados, sem a intervenção da Organização Mundial do Comércio (OMC). O conceito de soberania alimentar é muito caro à Via Campesina, e se em 1996 significava “o direito de cada nação de manter e desenvolver sua própria capacidade de produzir alimentos básicos, respeitando a diversidade cultural e produtiva”, no ano 2000 sofreu uma alteração, quando a organização afirmou que “os povos têm o direito de definir sua política agrícola e de alimentos”. Deste modo, não se refere apenas aos Estados nacionais, mas traz a ideia de uma soberania societária, comunitária ou cidadã.
Compreende-se, portanto, a Via Campesina como uma articulação organizada a partir de pequenos e médios agricultores/as e trabalhadores/as agrícolas assalariados/as, indígenas e sem-terra, que se apresenta como um movimento internacional autônomo e pluralista, não subordinado a partidos, Igrejas e governos que, resumidamente, contrapõe-se à padronização das culturas, à concentração fundiária, à monocultura e à produção unicamente exportadora, características do modelo de desenvolvimento do agronegócio.
Fontes:
FERNANDES, Bernardo Mançano. Via Campesina. In: CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. Dicionário de educação do campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
VIA CAMPESINA. Biodiversidad y Recursos Genéticos. Documento de la III Conferencia Internacional de La Via Campesina. Bangalore, Índia, outubro de 2000.
VIA CAMPESINA. The right to produce and access land: position of Via Campesina on Food Sovereignty. Presented at the World Food Summit. Roma, novembro de 1996.
VIEIRA, Flávia Braga. Via Campesina: um projeto contra-hegemônico?. In: SIMPÓSIO LUTAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA. TRABALHADORE(A)S EM MOVIMENTO: CONSTITUIÇÃO DE UM NOVO PROLETARIADO?. Londrina, 2008.
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