Falar de ciência antes da modernidade é um desafio, assim como estabelecer o desenvolvimento do pensamento racional a partir dos gregos também é. É notório que a construção de campos científicos se deu, de forma mais estruturada e organizada, com o advento da modernidade. Mas, isso não exclui nem elimina a experiência grega.
A relação entre os primórdios das ciências na antiguidade e o desenvolvimento do pensamento racional parece óbvia. No entanto, ao fazermos este movimento estamos desconsiderando outras tantas sociedades que, à sua forma e em sua medida, também usaram e desenvolveram a racionalidade. Mesmo os povos nômades já assim viviam. Para dominar o fogo, criar ferramentas e utensílios, elaborar armas, inventar a roda, dominar a agricultura e trabalhar os metais via metalurgia a racionalidade foi extremamente necessária. Portanto, não podemos colocar os povos anteriores à invenção da escrita no lugar da irracionalidade, como comumente são retratados.
No entanto, foi na Grécia Antiga que o pensamento científico emergiu, especialmente a partir da filosofia como forma de refletir e se colocar no mundo. Foi também neste período que se desenvolveu o sistema de provas científicas, baseando a prática e estabelecendo, por isso, o início da ciência no mundo ocidental. Isso significa que o pensamento racional, as explicações sobre a vida, passaram a ser pautadas, também, pela razão. Não significou o abandono das crenças nos mitos e no sistema de religiosidade, mas sim a coexistência do mundo da crença nos mitos e deuses e do mundo da razão.
Sócrates possivelmente foi o nome mais emblemático deste início. Isso porque, partindo da premissa de que a única coisa que sabemos é que não sabemos efetivamente de nada, ou, “só sei que nada sei”, instigou à investigação atestando o quanto a humanidade não domina o conhecimento, e que, portanto, deve movimentar-se para sair da ignorância. Assumindo o não saber, movimenta-se em busca de explicações possíveis para o mundo.
Foi no Período Clássico da Grécia Antiga, entre os séculos VI e IV a.C., que a ciência se desenvolveu. A filosofia, considerada a base de todas as ciências, a história, e a medicina foram áreas de uma proeminente produção no período. Até então apenas a religiosidade era a responsável por dar respostas às questões humanas: as doenças eram justificadas pela vontade dos deuses, os eventos históricos também. O próprio corpo humano não era muito compreendido, sendo estudados apenas os órgãos básicos para a sobrevivência humana e sua consequente função.
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É durante o Período Clássico que a medicina para a se constituir como uma área de conhecimento, com utilidades tanto na vida prática – nos conflitos de guerra ou mesmo na sobrevivência da comunidade – como na vida intelectual, desenvolvendo um saber específico. Os médicos passaram então a estudar meios de cura, especialmente a partir de elementos da natureza, propondo a aplicação de plantas no tratamento de doenças e mesmo praticando no mundo natural técnicas cirúrgicas para seu uso em batalhas e conflitos. O nome mais conhecido da medicina antiga foi o de Hipócrates, que foi o responsável por desvincular as explicações sobre as doenças do mundo sagrado, estudando o funcionamento do corpo humano. Foi ele o primeiro a estabelecer a observação dos sintomas e, a partir deles, um diagnóstico possível com seu respectivo tratamento. Foi nesse contexto que surgiram as primeiras escolas de medicina.
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Assim como a medicina e a filosofia, outras áreas do conhecimento passaram a se desenvolver. Elas questionavam as explicações pautadas nos mitos e iam aos poucos sedimentando o lugar da razão. A História foi uma das áreas que passou a se desenvolver no período, buscando contar e dar sentido aos eventos considerados grandiosos – dignos de serem contados. Foi o caso de Heródoto, que em sua obra Histórias procurou contar os eventos ocorridos durante a invasão persa na Grécia. Outro autor, Tucídedes, explicar em sua obra História da Guerra do Peloponeso, os eventos do conflito entre Atenas e Esparta. Para além de contar, de forma literária, os conflitos do mundo antigo, eles construíram narrativas movimentadas por questionamentos. Tanto a História como a Medicina são exercidas – até os dias atuais – com base na investigação contínua e no estabelecimento de perguntas e questionamentos. Essa inquietação é o que marca o começo de um pensamento racional científico no mundo ocidental.
Outra área em construção à época foi a astronomia. A observação do mundo natural – da lua, do movimento do sol, dos fenômenos naturais – movimentou e fascinou aqueles que estavam preocupados com as explicações para tudo que envolvesse a vida humana. Se somente os deuses não davam conta de explicar como e porque as coisas aconteciam de uma forma – e não de outra – no mundo natural, era preciso, portanto, buscar explicações racionais para os eventos naturais. Para que se desenvolvesse um conhecimento racional sobre os astros o domínio da matemática foi fundamental.
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É certo que outras sociedades, muito antes dos gregos, já dominavam sistemas numéricos e utilizavam a matemática especialmente para a vida prática: tratos comerciais, armazenamento de alimentos, construção de canais, diques e templos. Mas, na Grécia Antiga a matemática passou a ser utilizada como ciência auxiliar de outras, como a astronomia. A própria astronomia – assim como a matemática – teve seu embrião na Mesopotâmia.
Os cálculos matemáticos estiveram presentes em várias sociedades do mundo antigo, mas eram utilizados de acordo com a necessidade prática: o cálculos de uma distância, o projeto de uma obra pública, as trocas comerciais. Transformar esses cálculos do cotidiano em um pensamento abstrato e reflexivo foi papel dos gregos. Tanto é que seu sistema numérico – alfa, beta, gama, delta – até hoje aparece em algumas fórmulas e equações.
Na área da astronomia – e também da matemática – o nome mais conhecido da antiguidade foi Tales de Mileto, um homem viajante que esteve em contato com outras sociedades, tais como o Egito e a Mesopotâmia. Ele foi o responsável por prever, a partir de observações, um eclipse solar. Além dele Pitágoras foi outro nome que se destacou, por, também por meio de observação e investigação, concluir que tanto a Terra como a Lua apresentavam-se em formatos esféricos. Embora nos dias atuais a ciência já tenha atingido níveis avançados, atrelando-se à tecnologia para comprovações e estudos, há aqueles que sem fundamentação ou embasamento científicos divulgam ideias equivocadas.
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Atenas foi o grande centro do conhecimento científico em desenvolvimento no mundo antigo. A partir do fim das Guerras Médicas e a mudança da sede da Liga de Delos de Delos para Atenas houve um intenso investimento na cidade. Saindo de uma guerra, usou o tesouro da aliança para reerguer sua pólis. Atrelado a este reordenamento e reconstrução urbana esteve a estabilidade do sistema político e a emergência da democracia direta. Atenas foi um centro importante e irradiador da cultura grega. Com a concentração do poder, a estabilidade e a nova cidade, o crescimento cultural se tornou viável. Assim, com Atenas como centro, as áreas do conhecimento se desenvolveram. O processo é tão emblemático que passou a ser desenvolvido em um local próprio, específico, chamado Academia. Até hoje a atividade científica está intimamente ligada à Universidades, ou seja, à academia ou ao mundo acadêmico. A Academia era um espaço próprio para o estudo e para a pesquisa, configurando-se como um importante centro intelectual.
Assim, embora abordar a questão da ciência na antiguidade não seja uma tarefa das mais simples torna-se fundamental para compreender de que forma se deu a construção de uma ideia de ciência, a inquietação e a busca por respostas que movimentaram diferentes tipos de conhecimento e que geraram saberes em variadas frentes. Entretanto, cabe alertar mais uma vez: não se pode fazer uma relação direta entre o início da atividade científica e o fim de crenças nos mitos e deuses, que continuaram povoando o imaginário grego. Também não podemos correr o risco de atribuir racionalidade aos grupos humanos somente a partir dos gregos pois, além de outras sociedades terem desenvolvido saberes em variados campos, é preciso alertar: muito dos que o gregos sabiam circulava entre o Mar Mediterrâneo. Ao trocar mercadorias os povos antigos trocavam também culturas. Por isso o pensamento matemático mesopotâmico, por exemplo, foi parte importante do desenvolvimento do pensamento matemático grego, e de sua consequente abstração.
As ciências são até os dias atuais campos de disputas. Partido da premissa de Sócrates, de que nada sabemos, temos o princípio da ciência: se nada sabemos é preciso formular perguntas. Talvez elaborar questões seja até mais proveitoso do que responder. É na dúvida, na inquietação, na pergunta e na reflexão que se encontra o cerne da ciência e é o que parece ter movimentado os cientistas de cada área aqui apresentados.
Referências:
BARBOSA, D. F., LEMOS, P. C. P. A Medicina na Grécia Antiga. Rev Med (São Paulo). 2007.
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2002.
LOPES & LOPES. Aplicações da Astronomia e da Geometria. Rev. Integração, 2014
MOL, Rogerio dos Santos. Introdução à história da Matemática. Belo Horizonte: CEAD – UFMG, 2013.
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