As espécies podem estabelecer entre si diferentes interações ecológicas, moldadas não só pelos indivíduos envolvidos, mas também pelo ambiente, recursos e necessidades. Essas interações são responsáveis por determinar o fitness, a sobrevivência e a reprodução dos organismos. Uma das relações ecológicas mais estudadas é a competição, e pode ser observada entre indivíduos de diferentes espécies conhecida como competição interespecífica. A competição interespecífica pode acontecer principalmente por conta da quantidade limitada de recursos como alimento, água e abrigo no ecossistema. Em alguns casos as espécies envolvidas podem apresentar as mesmas preferências, ou necessidades ambientais, também conhecidas como nicho ecológico.
O nicho ecológico é definido como o conjunto de variáveis relacionadas a sobrevivência e manutenção de uma espécie. Essas variáveis podem refletir preferências ambientais, alimentares ou reprodutivas por exemplo, e costumam ser chamadas de nicho fundamental quando não são restringidas pela ocorrência e competição com espécies semelhantes. Assim, a partir do momento que a espécie A apresenta determinadas características em seu nicho fundamental, muito similares as características do nicho fundamental da espécie B, pode ser observada competição interespecífica entre elas. Essa competição reduz o nicho fundamental das espécies, fazendo com que elas utilizem apenas as características menos sobrepostas, ou mais abundantes no ambiente. Esse é o nicho realizado, ou nicho efetivo, definido como o nicho fundamental limitado ou expandido pela ocorrência de outra espécie.
A grande sobreposição de nicho entre diferentes espécies desencadeia a competição por recursos, uma vez que suas preferências são semelhantes. Assim, a competição interespecífica pode contribuir para que os competidores se adequem a nova disponibilidade de recursos, e até mesmo para a exclusão de um deles. Uma das estratégias adotada pelas espécies é o deslocamento de caracteres, que consiste em mudanças morfológicas, fisiológicas e comportamentais entre espécies relacionadas, ou próximas geograficamente. O deslocamento de caráter explicaria a maior diferença encontrada entre indivíduos de populações simpátricas quando comparados com indivíduos da mesma espécie de populações alopátricas.
O deslocamento de caráter é observado no estudo realizado por Simberloff e colaboradores (2000) com mangustos na Índia. Na região ocidental, o pequeno mangusto da Índia (Herpestes javanicus) coexiste com outras duas espécies de mangusto de tamanho maior, porém do mesmo gênero (H. edwardsii e H. smithii). Na região oriental da Índia o pequeno mangusto ocorre sozinho, sem a presença das espécies competidoras do mesmo gênero. O estudo examinou a variação do tamanho do dente canino superior dos indivíduos das três espécies, e constatou que quando a espécie H. javanicus ocorre com as duas espécies de mangusto de maior tamanho, ela apresenta menores tamanhos de dente. O deslocamento de caráter contribuiu para que, quando em simpatria, o pequeno mangusto da Índia ataque presas menores e apresente menor sobreposição em relação a preferência alimentar com as espécies de tamanhos maiores, que teriam preferências por presas maiores.
Outro exemplo é observado em populações de espinhelas da espécie Gasterosteus aculeatus que ocorrem em lagos de água doce no Canadá. Em alguns lagos é observada apenas uma forma da espécie, enquanto em outros lagos é possível observar duas formas diferentes de G. aculeatus. Quando as duas formas ocorrem juntas, uma delas apresenta preferência por plânctons de áreas abertas e possui longos filtradores de brânquias. A segunda forma apresenta filtradores de brânquias mais curtos e consome presas maiores localizadas no sedimento ou vegetação. Contudo, quando uma das formas acontece sozinha em um lago ela apresenta as duas preferências alimentares e um padrão morfológico intermediário. Isso demonstra que o deslocamento do caráter contribui para a coocorrência das espécies no mesmo ambiente, diminuindo a competição entre elas.
Referências Bibliográficas
[1] Begon, M.; Townsend, C. R. & Harper, J. L. Ecology: from individuals to ecosystems. 4 ed. Reino Unido: Editora Blackwell Publishing Ltd, 759p., 2006.
[2] Interações entre populações. Disponível em: http://eco.ib.usp.br/populacoes_interacoes_print.htm
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