Lei Saraiva

O Brasil dos últimos anos do século XIX passou por diversas transformações de ordem política, social, cultural e econômica. Foi nesse período que chegou ao fim o império, que a república se iniciou, que a escravidão foi extinta e que as cidades começaram a se modernizar, bem como as relações de trabalho. Tudo isso aconteceu através de disputas e embates políticos, que se expressaram na aprovação de leis, como a Lei Saraiva.

Aprovada em 9 de janeiro de 1881, inscrita sob o número 3.029, esta lei trouxe importantes mudanças para o aparato legal brasileiro, buscando apresentar algumas mudanças estruturais importantes à população que estava descontente com os rumos do império à época. Assim, a Lei Saraiva instituiu as eleições diretas para todos os cargos elegíveis existentes – senado, assembleias geral e legislativas provinciais, vereadores. A questão da eleição direta era um tópico de debates acalorados e uma demanda evidente da população. O decreto também tornou elegíveis os imigrantes que fossem comerciantes e/ou industriais, com renda comprovada acima de duzentos mil réis; não católicos também puderam se tornar elegíveis. O caso dos imigrantes e não católicos é emblemático do período: o fim da escravidão era questão de tempo por conta da pressão inglesa, e a transformação das relações de trabalho fez com que se importasse trabalhadores para a lida com a terra no Brasil. Muitos deles acabaram migrando para as cidades ou investindo no comércio e na indústria, não ficando restritos ao trabalho nas lavouras, principalmente de café, que despontavam no período. Muitos imigrantes aqui chegaram e se estabeleceram e, nesse contexto, havia a crença na possibilidade do embranquecimento da população, marcada pela presença negra e indígena. Assim, investia-se no elemento imigrante europeu, fazendo-o, inclusive, cidadão ativo no processo eleitoral. Tornar elegível os não católicos significava permitir que imigrantes europeus protestantes, por exemplo, pudessem se eleger e assim fazer deste país um pouco deles também.

Por outro lado, a Lei Saraiva proibiu a participação política de analfabetos no processo eleitoral: seja como eleitores ou como candidatos, aqueles que não dominassem a leitura e a escrita estavam de fora do rito. Essa talvez tenha sido a mais impactante marca da Lei Saraiva na história política brasileira, afinal, os analfabetos só se tornaram partícipes dos processos eleitorais a partir da aprovação da Constituição Cidadã, datada de 1988, ou seja, mais de um século após a aprovação da Lei Saraiva no senado. A questão do analfabetismo foi amplamente debatida até a aprovação da lei em 1881.

Impopular, o império, na figura de D. Pedro II, precisou ouvir o que a população reclamava. A disputa política à época girava em torno dos partidos Liberal e Conservador, mas, no entanto, havia pouca diferença de direcionamento: liberais e conservadores legislavam e governavam com os mesmos interesses. Uma reforma eleitoral tornava-se urgente. Desde a década de 1860 já havia uma pressão pelas eleições diretas, mas, uma reforma constitucional foi rejeitada. A reforma, que precisava acontecer, só pôde ser feita a partir da aprovação de lei que mudasse o formato eleitoral – e não uma reforma constitucional por completo.

O escolhido para coordenar tal processo foi o comendador José Antônio Saraiva, que dá nome à lei. Liberal convicto, Saraiva convidou outro famoso liberal – Rui Barbosa – para que formulasse uma proposta para eleição direta no país. O que gerou maior debate foi mesmo a questão do analfabetismo. Os índices de alfabetização eram muito baixos. Poucos tinham acesso à escola e à educação formal. Somente as elites conseguiam matricular seus filhos no ensino primário e permitir, inclusive que concluíssem o ensino secundário e até mesmo, nos mais raros casos, o ensino superior. Poucos eram os estabelecimentos educacionais no país e muitos eram os que não sabiam nem ler nem escrever.

Assim, deixando os analfabetos de fora do processo eleitoral a Lei Saraiva contribuiu para exclusão do povo das eleições. O analfabetismo passou a ter um significado pejorativo e difundiu-se a noção de que somente a leitura proporcionava o discernimento necessário para a participação popular nas eleições.

Referências:

LEÃO, Michele de. Lei Saraiva (1881): se o analfabetismo é um problema, exclui-se o problema. In: Aedos, N. 11, V. 4, set. 2012. Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, 2012.

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