Política de boa vizinhança

O início do século XX foi um período de intensas mudanças em diversos campos: na política, na cultura, na sociedade, na economia. Foi um tempo de modernização que ficou marcado no Brasil e no mundo. Foi neste período que as relações entre os Estados Unidos da América e os países da América Latina ganharam novos contornos, especialmente no tempo marcado pela Segunda Guerra Mundial.

O contexto era de crise. Os EUA tinham passado há pouco tempo por uma crise econômica profunda com o crash da bolsa de Nova York em 1929 e buscava novos mercados em potencial. Assim, Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América à época, iniciou seu projeto político de promoção de melhores relações entre os americanos. Havia também o interesse em fazer dos EUA uma referência maior que as outras duas potências políticas do período: Itália e Alemanha. Cabe lembrar que pouco tempo antes disso houve um amplo investimento na importação de mão-de-obra europeia para o Brasil. Alemães e Italianos aqui chegaram na tentativa de “fazer a América”, que significava uma esperança para uma Europa em crise desde meados do século XIX. Assim, a presença de Alemães e Italianos no território brasileiro fazia com que as ideias do velho continente aqui se espalhassem e ganhassem adeptos. Getúlio Vargas, presidente do Brasil, também era influenciado pelos modelos autoritários de governo iniciados no continente europeu.

Entre 1933 e 1945 houve um intenso investimento na venda de tecnologia norte-americana para os países da América Latina e, como contraponto, estes países deviam apoio político aos Estados Unidos. Não à toa foi justamente neste período que Getúlio Vargas passou a colocar o país ao lado dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial.

A política da boa vizinhança é um bom exemplo para se observar o quanto de político há nas manifestações culturais. Nesse período os investimentos em construções de imagens para divulgação dos países latino-americanos nos EUA tomaram conta das produções audiovisuais que se popularizaram. Dois casos são bastante emblemáticos para pensar este período: a promoção da imagem de Carmem Miranda e a construção de personagens como Zé Carioca pelos estúdios Disney.

Personagem Zé Carioca.

A conversa de Pato Donald com Zé Carioca na animação Alô, Amigos!, datada de 1943 mostra bem a aproximação entre as duas nações. Os personagens animados deram vida à ideia de diálogo, negociação e diplomacia, propostas de F. Roosevelt, que divulgava e incentivava um pan-americanismo, ou a américa para os americanos, reforçando laços de solidariedade entre essas nações. No entanto, sabe-se que visava a troca de apoios políticos e a manutenção dos EUA na Segunda Guerra Mundial.

O cinema foi o principal veículo de aproximação entre as nações. Por meio dele foi possível criar imagens e divulgá-las, construindo a identidade das nações. Em 1941 uma equipe dos estúdios Disney, formada pelo criador – Walt Disney – e seus desenhistas e roteiristas, saiu em viagem pela América do Sul. No Brasil hospedaram-se no Copacabana Palace e conheceram a capital federal. A partir da viagem criaram a representação do Brasil nos Estados Unidos – o papagaio Zé Carioca. Em primeira aparição no cinema ele conversa com Pato Donald e cria uma imagem de hospitalidade e boemia do brasileiro. Também na mesma animação a fauna e flora do país são amplamente exploradas, tendo como trilha sonora a música Aquarela do Brasil, composta por Ary Barroso. Outra figura bastante marcante do contexto foi Carmem Miranda, que com o samba cantado e as frutas na cabeça levava uma ideia de cultura tropical ao país do norte.

Enquanto, por um lado, os Estados Unidos apresentavam a tecnologia cinematográfica aos brasileiros, o Brasil investia na criação norte-americana, pois com ela era possível construir a identidade nacional brasileira – projeto varguista bem delineado. O que a política da boa vizinhança nos deixa ver é justamente o que de político existe nos produtos culturais criados em determinados contextos. No período da Segunda Guerra Mundial, em plena disputa polarizada do mundo, os EUA trocaram o autoritarismo pela negociação – com muitas intenções políticas nas entrelinhas.

Referências:

SCHWARCZ, Lilia M; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

ALÔ amigos. Dirigido por: Bill Roberts, Hamilton Luske, Jack Kinney, Wilfred Jackson. Estados Unidos da América: Estúdios Disney, 1943.

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