É um equívoco pensar que a interpretação dos sonhos é apenas um interesse do misticismo ou da religiosidade: a Psicanálise propõe-se à análise onírica, significando suas funções e enfatizando as contribuições desta ao próprio processo terapêutico do sonhador.
Sigmund Freud, pai da Psicanálise, foi o primeiro a debruçar-se sob esse campo com viés clínico e investigativo. O médico, orientado pelo positivismo, pela fisiologia e por uma ampla leitura filosófica (que abarcou desde os gregos até nomes como Rousseau, Diderot, Schopenhauer e Nietzsche) e polido em suas experiências práticas, elaborou uma hipótese de trabalho: o inconsciente.
Este, regido com suas próprias normas, seria acessível em suas manifestações: chistes, atos falhos e sonhos.
Antes de dissertar sobre o trabalho desses últimos, é importante ressaltar que não são norteados pelos princípios lógicos fundamentais. Segundo a lógica Aristotélica, há os princípios de identidade (A é A), contradição (A é A e não pode ser não-A) e terceiro excluído (A é X ou não X), entretanto no sonho, não se pode universalizar tais afirmações, tampouco encerrá-las em silogismos (enunciado universal - enunciado particular = conclusão particular). No onírico, acontece junção e disjunção, ou seja, A pode ser A e também não-A, assim como A é X e A não é X.
Enfim, os sonhos são atividades psíquicas. A variedade de suas temáticas varia entre simples realizações de vontades frustradas na vigília (comumente encontradas nos casos das crianças) até realizações mascaradas de desejos ambivalentes, desconcertantes à consciência.
O que pode ser lembrado de um sonho é seu conteúdo manifesto, que é sua forma acessível à consciência, apesar de apenas parcialmente. Além de haver esquecimentos, muitos devidos às resistências, todas as recordações estão sujeitas a uma problematização: se tanto é omitido, como garantir o que não é falsificado? Dado o empenho na cotidiana busca por coerência, por que não suspeitar se não se completa as deficiências de sentido via a lógica predominante no contexto ao qual inserem-se?
Essa matéria que foge da consciência é o conteúdo manifesto do sonho. Esse material é cerceado pela censura, composta pelos valores superegóicos do sujeito. O fenômeno de deformação do sonho em latente é denominado por Freud como elaboração onírica. Seus mecanismos de ação são descritos como condensação, que ocorre quando um elemento manifesto corresponde simultaneamente a vários outros combinados entre si; deslocamento, sendo um elemento latente substituído por uma alusão (e não uma parte componente de si mesmo); e figurabilidade, a transformação de pensamentos em imagens visuais. Outra característica de seu conteúdo é a aparição de restos diurnos, imagens vistas durante o dia e consideradas desimportantes pela consciência.
Dessa forma, é visto que, segundo as lentes da psicanálise freudiana, os sonhos são trabalhos psíquicos, manifestações do inconsciente. Esse mundo onírico é particular, rico e não totalmente acessível depois do acordar, senão modificado. Seus significados são individuais, da ordem do mundo interno do sujeito, de forma que suas interpretações são únicas, não contam com fórmulas exatas ou significados prévios.
Em suma, a única forma de analisá-los a fundo é levando-os à terapia, em uma iniciativa cara à análise. Consequentemente, vale ressaltar que, apesar da Psicanálise poder ser lida por todos, sua prática cabe somente aos profissionais. Ademais, não é possível realizar uma auto-análise dos sonhos, pois, além de haver carência de transferências com um ausente outro, há o impedimento da própria resistência.
Referências bibliográficas:
FREUD, S. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
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