O Realismo é uma estética do século XIX que defende a objetividade, a moderação do sentimentalismo e a visão científica, opondo-se ao Romantismo.
Após a efervescência literária romântica, houve retorno ao pensamento científico do Renascimento.
O realismo surge na França e de lá se espalha. Em Portugal, o Realismo ficou marcado pela Questão Coimbrã – desavença (publicada em jornal em 1865) entre novos escritores, acusados de “exibicionistas e propositada obscuridade”, e escritores mais velhos. Desse grupo de novos escritores faziam parte Antero de Quental, Eça de Queirós e Teófilo Braga. Antero defendia a independência artística dos novos autores. O grupo envolvido na Questão Coimbrã se reuniu nas Conferências democráticas que pretendiam reformar as letras lusitanas com algumas propostas como ligar Portugal ao movimento moderno da Europa e tratar de questões da Filosofia e da Ciência moderna, além de estudar a condições políticas, econômica e religiosa da sociedade portuguesa: primórdios dos fundamentos realistas. Como marco literário da estética, temos o ano de 1871, quando Eça de Queirós discursa sobre o Realismo como nova expressão de arte.
Dentre as características da literatura dessa época temos o gosto pelo progresso da ciência em reação ao convencionalismo amoroso dos românticos. Nomes como o químico Berthelot, o biologista Pasteur e o naturalista Charles Darwin, criador da teoria evolucionista (o darwinismo é uma das características dessa estética). Há a aplicação de grandes descobertas da ciência à vida social. A nova estética encontrou amparo na ciência que muito modificou a sociedade com a revolução tecnológica: telégrafos, locomotivas, máquinas a vapor, luz elétrica, o telefone de Graham Bell; todas essas mudanças atribuíram um olhar mais científico à literatura. A base filosófica tem justamente esse apelo científico: a teoria positivista de Auguste Comte que defende a sistematização dos eventos sociais como nas ciências exatas, ou seja, a observação da sociedade segundo métodos científicos. Assim, defende a observação objetiva dos fenômenos sociais – a sociologia ganhou grande destaque nesse período.
Os principais nomes do realismo lusitano são Eça de Queiros e Antero de Quental.
A obra de Antero de Quental foi basicamente poética: publicou Primaveras românticas (1872), poemas marcados por certo ceticismo em relação ao amor (o que o coloca como realista). Outra obra de caráter marcadamente realista é a publicação de Odes Modernas (1865, ano da questão coimbrã). Nessa obra, traz uma postura confiante e combativa, preocupada com o progresso social e o destino do homem moderno.
"A ideia" - IV (Antero de Quental)
Conquista pois sozinho o teu futuro, Já que os celestes guias te hão deixado, Sobre uma terra ignota abandonado, Homem — proscrito rei — mendigo escuro!
Se não tens que esperar do Ceo (tão puro, Mas tão cruel!) e o coração magoado Sentes já de ilusões desenganado, Das ilusões do antigo amor perjuro;
Ergue-te, então, na majestade estóica D'uma vontade solitária e altiva, N'um esforço supremo de alma heróica!
Faze um templo dos muros da cadeia, Prendendo a imensidade eterna e viva No círculo de luz da tua Ideia!
Eça de Queiros foi o maior romancista realista português. Inicia sua carreira com O crime do Padre Amaro (1875). O autor observa a sociedade lusitana, suas anomalias e anormalidades, material para outras obras como O primo Basílio (1878); A relíquia (1887); Os maias (1888, iniciada em 1880). Nessas obras estão descritos os detalhes da sociedade lisboeta (de Lisboa), com muita argúcia, imaginação e uma visão original da realidade.
O autor também escreveu algumas obras naturalistas. As obras de Eça são muito importantes no Brasil, sendo transformadas em filmes e minisséries.
Na França os principais nomes do realismo são do romancista Gustave Flaubert e sua obra Madame Bovary (marco do realismo francês e ícone do realismo universal). Outro nome importante foi Emile Zola, autor de Germinal – romance sobre a Revolução Francesa. Temos também o poeta Charles Baudelaire, que publicou As flores do mal (1857).
A voz (Charles Baudelaire)
Meu berço ao pé da biblioteca se estendia, Babel onde a ficção e ciência, tudo, o espolio Da cinza negra ao pó do Lácio se fundia. Eu tinha ali a mesma altura de um in-fólio. Duas vozes ouvi. Uma, insidiosa, a mim Dizia: "A Terra é um bolo apetitoso à goela; Eu posso (e teu prazer seria então sem fim!) Dar-te uma gula tão imensa quanto a dela." A outra: "Vem! Vem viajar nos sonhos que semeias, Além da realidade e do que além é infindo!" E essa cantava como o vento nas areias, Fantasma não se sabe ao certo de onde vindo, Que o ouvido ao mesmo tempo atemoriza e afaga. Eu te respondi: "Sim, doce voz!" É de então Que data o que afinal se diz ser minha chaga, Minha fatalidade. E por trás de telão Dessa existência imensa, e no mais negro abismo, Distintamente eu vejo os mundos singulares, E, vítima do lúcido êxtase em que cismo, Arrasto répteis a morder-me os calcanhares. E assim como um profeta é que, desde esse dia, Amo o deserto e a solidão do mar largo; Que sorrio no luto e choro na alegria, E apraz-me como suave o vinho mais amargo; Que os fatos mais sombrios tomo por risonhos, E que, de olhos no céu, tropeço e avanço aos poucos. Mas a voz consola e diz: "Guarda teus sonhos: Os sábios não os têm tão belos quanto os loucos!"
Leia mais:
Bibliografia:
FERREIRA, Joaquim. História da literatura portuguesa. Porto, Ed. Domingos Barreira, s/a.
RAMOS, Feliciano. História da literatura portuguesa. Braga, Livraria Cruz, 1967, pp 8-190.
SARAIVA, Antonio José. História da cultura em Portugal. Vol II. Gil Vicente Reflexos da Crise. Lisboa, Gradiva, 2000.
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