Simbolismo no Brasil

O simbolismo é uma estética do século XIX e tem como marco, no Brasil, a publicação de Missal e Broqueis de Cruz e Sousa. Trata-se de uma estética de oposição ao parnasianismo e sua ausência de sentimentalismo ou sentimentalismo comedido. Em aspectos formais, os simbolistas acentuam, em alguma medida, o ideal de “arte pela arte” pelo requinte e rebuscamento dos poemas. Quanto à temática, o simbolista não aceita a separação entre sujeito e objeto, entre artista e assunto, pois “o mundo e a alma têm afinidades misteriosas e as coisas mais dispares revelar parentesco inesperado”. Para o simbolista a obra de arte não é um objeto fechado e permite várias leituras, sendo, para tanto, imprecisa, obscura, fugidia.

Seguindo o exemplo francês e o lusitano, o simbolismo brasileiro também caminha pelo onírico (sonho), pela loucura, pelo devaneio, pelo metafísico, pela espiritualidade, pelo inconsciente e subconsciente. Assim como os românticos, os simbolistas também valorizavam a morte, entretanto, direcionada ao transcendental, ao metafísico, ao espiritual. Quanto à estrutura, há uma linguagem simbólica bastante rebuscada com privilégio ao fonético, já que busca musicalidade. Figuras como sinestesia, metonímia e metáfora serão muito utilizadas.

Os principais nomes do simbolismo no Brasil foram Cruz e Sousa e Alphonsus Guimarães. Esses dois poetas foram considerados mestres e influenciaram profundamente os mais jovens.

Cruz e Sousa

O escritor Cruz e Sousa.

Em 1893, Cruz e Sousa publicou a obra Missal, um conjunto de poemas em prosa (prosa poética) que segue algo comum no simbolismo: o experimentalismo em prosa já visto em Baudelaire (poeta realista considerado precursor do simbolismo francês).

Navios - Cruz e Sousa

Praia clara, em faixa espelhada ao sol, de fina areia úmida e miúda de cômoro.

Brancuras de luz da manhã prateiam as águas quietas, e, à tarde, coloridos vivos de acaso as matizam de tintas rútilas, flavas, como uma palheta de íris.

Navios balanceados num ritmo leve flutuam nas vítreas ondas virgens, com o inefável aspecto nas longas viagens, dos climas consoladores e meigos, sob a candente chama dos trópicos ou sob a fulguração das neves do Pólo.

Alguns deles, na alegre perspectiva marinha, rizam matinalmente as velas e parte — mares afora — visões aquáticas de panos, mastros e vergas, sob o líquido trilho esmaltado das espumas, em busca, longe, de ignotos destinos.

Á tarde, no poente vermelho, flamante, dum rubro clarão d'incêndio, os navios ganham suntuosas decorações sobre as vagas.

O brilho sangrento do ocaso, reverberando na água, dá-lhes uma refulgência de fornalha acesa, de bronze inflamado, dentre cintilações de aço polido.

Os navios como que vivem, se espiritualizam nesta auréola, neste esplendor feérico de sangue luminoso que o ocaso derrama.

E mais decorativos são esses aspectos, mais novos e fantasiosos efeitos recebem as afinadas mastreações dos navios, donde parece fluir para o alto uma fluida e fina hormonia, quando, após o esmaecer da luz, a Via-Láctea resplende como um solto colar de diamantes e a Lua surge opaca, embaciada, num tom de marfim velho.

Ainda em 1893, publicou Broqueis, onde se lê os seus mais conhecidos poemas. Em Antífona, temos representações da musicalidade simbolista com constantes e evidentes assonâncias (repetição de sons vocálicos /a/) e aliterações (repetição de som consonantal /f/).

Antífona - Cruz e Sousa

Ó formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluídas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras, De Virgens e de Santas vaporosas... Brilhos errantes, mádidas frescuras E dotências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas, Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Requiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos, Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Dormências de volúpicos venenos Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos, Inefãveis, edênicos, aéreos Fecundai o Mistério destes versos, Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades Que fuljam, que na Estrofe se levantem E as emoções, todas as castidades Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros Fecunde e inflame a rima clara e ardente... Que brilhe a correção dos alabastros Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça De carnes de mulher, delicadezas... Todo esse eflúvio que por ondas passa Do Éter nas róseas e áureas corrientezas...

Cristais diluídos de clarões alacres, Desejos, vibrações, ânsias, alentos Fulvas vitórias, triunfamentos acres, Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas De amores vãos, tantâlicos, doentios... Fundas vermelhidões de velhas chagas Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte, Nos turbilhões quiméricos do Sonho, Passe, cantando, ante o perfil medonho E o tropel cabalístico da Morte...

Em Violões que choram... é possível observar a aliteração constante (a repetição do /v/ serve para aproximar ao som das cordas do violão vibrando), marcando a musicalidade dos versos decassílabos com tônica na sexta sílaba e rima a/b/a/b.

Violões que choram... - Cruz e Sousa

Ah! plangentes violões dormentes, mornos, Soluços ao luar, choros ao vento… Tristes perfis, os mais vagos contornos, Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo, Noites da solidão, noites remotas Que nos azuis da Fantasia bordo, Vou constelando de visões ignotas.

Vocabulário: Calabouço – prisão subterrânea Grilhão – corrente que prende os condenados Funéreo – relativo à morte Etéreo – sublime, puro, elevado, celestial

Sutis palpitações a luz da lua, Anseio dos momentos mais saudosos, Quando lá choram na deserta rua As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando, Quando os sons dos violões nas cordas gemem, E vão dilacerando e deliciando, Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram, Dedos Nervosos e ágeis que percorrem Cordas e um mundo de dolências geram, Gemidos, prantos, que no espaço morrem…

E sons soturnos, suspiradas magoas, Mágoas amargas e melancolias, No sussurro monótono das águas, Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Alphonsus de Guimarães

Outro poeta de grande importância para o simbolismo foi Alphonsus Guimarães que escreveu sua primeira obra em 1899. Alguns de seus poemas são considerados ícones da estética como Ismália (no original Ysmalia) que traz a temática da loucura e da espiritualidade. Trata-se de um soneto com versos em redondilha maior (sete sílabas métricas) e rima regular.

Ismália - Alphonsus de Guimarães

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar...

E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar...

Outros autores

Gilka Machado foi uma poetisa carioca nascida em 1893 e falecida em 1980. Sua primeira publicação foi em 1915 e seu nome logo foi associado a polêmicas devido ao tom sensual de sua poesia. Pela sensualidade, seus poemas podem ser comparados aos de Florbela Espanca. A ousadia de sua obra pode ser vista em no poema Ser mulher, de sua obra de estreia. É importante ressaltar que nesse momento da história do Brasil a mulher tinha poucos direitos.

Ser mulher - Gilka Machado

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada para os gozos da vida; a liberdade e o amor; tentar da glória a etérea e altívola escalada, na eterna aspiração de um sonho superior…

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada para poder, com ela, o infinito transpor; sentir a vida triste, insípida, isolada, buscar um companheiro e encontrar um senhor…

Ser mulher, calcular todo o infinito curto para a larga expansão do desejado surto, no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…

Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza! ficar na vida qual uma águia inerte, presa nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Bibliografia:

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 2012.

CASTELLO, Jose Aderaldo. Presença da Literatura brasileira: Do Romantismo ao simbolismo. Rio de Janeiro, Difel, 1978, pp 99-23.

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro, Ouro sobre azul, 2007.

RAMOS, Silva. Poesia simbolista. São Paulo, Editora Melhoramentos, 1967.

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